“ Um dia, quando for grande… vou escrever um livro…”
Ter um filho, plantar uma árvore, escrever um livro… três acções que sempre ouvira dizer, definiam a realização do ser humano, concretizavam a sua faceta criadora.
Criar… criar algo; criar vida, criar o abstracto, criar pensamentos, deixar pegadas na areia, deixar memórias. Seria esse o objectivo último de viver?
Porquê?
Sempre o “porquê”… sempre uma questão para tudo. Teria a vida que ser sempre uma eterna sucessão de questões mal respondidas? Onde estava a lógica de conseguir ser suficientemente inteligente para formular perguntas… e não ser suficientemente inteligente para descobrir as respostas? Que paradoxo.
Olhou para o caderno de capa dura, pousado sobre a mesa. Vazio, de páginas em branco, a caneta de tinta ao lado.
Porquê escrever?
Escrever o quê, escrever para quem?
Ter um filho, plantar uma árvore, escrever um livro.
Já realizara as duas primeiras tarefas… e com aparente sucesso. Na verdade não se limitara a ter um filho, mas sim três. Tal como plantara muitas árvores, apesar de uma delas ser uma memória especial, talvez por ter sido a primeira; uma nespereira, ao fundo do quintal, plantada pouco depois do nascimento da primeira filha.
Já era grande, crescido, adulto. Apesar de nunca se ter apercebido da transição, de não ter existido nenhum “clic” a separar a criança do jovem ou do adulto. Talvez que para os outros o processo fosse mais visível… mas ele ainda se sentia a quase criança, acreditando em pequenas magias, amores eternos e cavaleiros andantes defensores de causas e ideais. Os cabelos brancos que entretanto surgiam todos os dias não apagavam esta ideia, tão pouco um certo cansaço nos passos ou a perda do vigor dos braços. Tudo isso não passava de pormenores, a verdadeira criança residia ainda no olhar e esse… esse ainda conservava o brilho de outrora, talvez até mais brilhante.
Sorriu, uma memória de tempos idos a aflorar-lhe à consciência.
A mãe presenteara-o com uma surpresa invulgar, uns dias antes.
Fora visitá-la, saber-lhe da saúde, matar saudades. Os oitenta anos exigiam que se recordasse que não o poderia fazer para sempre, e naquele dia combinaram almoçar juntos.
E foi então que no final da refeição, ela se levantou da mesa com um enigmático “ Vou ali buscar uma coisa que guardei para te dar…”
Quando regressou, trazia nas mãos uma moldura de madeira e ele reconheceu de imediato a caligrafia infantil de uma folha de papel, resguardada do tempo por um vidro riscado.
- Guardei-o durante todos estes anos… ainda te lembras dele?
Lembrava-se, lembrava-se perfeitamente.
Teria talvez uns onze, doze anos, compusera um pequeno poema e oferecera-o à mãe, por ocasião do aniversário dela. Meia dúzia de frases e de rimas forçadas, pejadas de redundâncias.
- Lembro-me sim… não sabia que o tinha guardado…
- Claro que guardei, é lindo… e foi o primeiro poema que me ofereceste… também tenho outros, daqueles que chegaste a publicar no jornal… mas este é especial… foi o primeiro… e foi-me oferecido a mim…
Memórias.
O presente também é feito de memórias.
Contemplou de novo o caderno ainda por abrir, sentindo que este também o observava.
“ É natural “ – pensou – isto é como uma relação de amor…
Pegou na caneta e tranquilamente abriu o caderno na primeira página. O branco vazio encheu-se de imagens ainda por escrever e ele sentiu, por um ínfimo instante, o prazer supremo da criação.
E começou.
“Era uma vez…”
Os cabelos brancos continurão a nascer, as memórias são passado,as questões que surgem terão resposta em cada dia que te disponhas a ouvir a tua criança interior e aí vais recomeçar e dar continuidade àquela história que há muito iniciaste:
ResponderEliminarEra uma vez.....
Beijinhos
Sentaqui,
ResponderEliminarComo tu mesmo dizes... todos temos um " era uma vez " para contar, uns sob a forma de prosa, outros em poesia, outros em fotos... não importa.
E sim, faz falta ouvir a nossa criança interior, mesmo quando nos custa a acreditar no que ela nos diz...
Beijos
Olá Rolando, também tenho presente a frase "Ter um filho, plantar uma árvore, escrever um livro".
ResponderEliminarÁrvore já plantei, tarefa fácil quando se deseja. Filhos, dois que criei, porque na realidade quem os teve foi a querida mulher no seu dom natural de dar á luz. Ficou o livro por fazer, no tempo que a frase foi escrita devia ser muito difícil escrever um livro, hoje em dia, basta ter dinheiro para se pagar a alguém que o faça por nós, uma bibliografia ou assunto polémico e ... voilá!
Por incrivel que aconteça, acho que dá mais gozo e realização escrever um blogue e manter-lhe a qualidade, como o teu "Entremares", onde nos dedicamos e damos nosso tempo gratuito por bem entregue. Quanto ao livro ... hummmm ... quem sabe se um dia escreverei algum, isso não é o mais importante, porque ao cumprir as duas 1ªs premissas de dar vida (árvore e filhos) sinto-me realizado na frase!
Abraço *_*
Paulo... notou-se que "encaixaste" bem a história... e é verdade, o acto de criar revela-se de muitas e insuspeitas formas, cada qual com seu prazer próprio.
ResponderEliminarOs filhos, as árvores, os livros, as musicas, as fotos - enfim, tudo - pode ser um acto de criação e como dizes... realiza-nos. Que mais levamos desta vida senão as memórias que deixamos nos outros?
Um abraço.
Por enquanto, o mais próximo que me dedico é a escrever um blog! Mas quem sabe um dia? Um abraço, meu amigo, e parabéns por mais um conto sensível!
ResponderEliminarAmigo Rolando,
ResponderEliminar"Memórias.
O presente também é feito de memórias."
Seria este conto uma ficção ou a própria realidade?
Falta-te apenas o livro, não é mesmo?!
Falo, insisto, sou até chata...
Me desculpe.
Mas, dificilmente me engano.
Talento você tem mesmo.
Com estes belos contos, que vem de suas "memórias", nós, refletimos, rimos e até nos emocionamos.
Seria um presente aos seus leitores!
Pelo menos pra mim, o seria.
Espero não tê-lo magoado.
"Memórias.
O presente também é feito de memórias."
Um abraço,
Gislene.
Humm...tenho um dedinho adivinho que me diz que não deve tardar muito para a concretização do último sonho, esse livro vai sair e vai ser um best seller de memórias, lembranças, vivências, experiências e muita sensibilidade em cada linha, ponto, vírgula e tinta que vai escorrer...vai deixar nosso coração aos pulos de emoção e encantamento!!
ResponderEliminarp.s. Fiquei curiosa com o poema oferecido á mãe, gostava de o ter lido, sabes que sou lamechas...e muito mãe galinha.. e quem sabe, não o guardaria numa caixinha cor de rosa perfumada de poesia!!..ehehhe
Beijokas
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ResponderEliminarPor vezes, o livro já foi escrito na memória...
Gostei de ler a sua história! Voltarei sempre.
Beijos de luz e o meu carinho!!!
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Olá,
ResponderEliminarvenho agradecer a visita e retribuir.:0)
Sempre ouvi dizer que o instante - é a continuidade do tempo - a união do tempo passado ao tempo futuro...( fico à espera do livro.);0)
Beijinhos
Rolando,
ResponderEliminarEsperamos pelo seu "Era uma vez" com incontida ansiedade. Bjs
Rolando
ResponderEliminarInstantes preciosos no tempo das memórias.
Páginas em branco inspirando poetas, inspirando vidas a serem descobertas e descobertas para serem bem vividas!
Lindo teu texto, como sempre meu amigo.
Bjinho terno
Ana,
ResponderEliminarObrigado pela presença... e como tu colocaste no teu blog " somos cada um de nós uma multidão ". Gosto de sentir isso, que cada um de nós alberga cá dentro um mundo cheio de coisas que quer sair cá para fora... em livro ou em blog.
Beijos.
Oi, Gislene...
ResponderEliminarSe mais incentivos não houvesse neste mundo... só o que escreveste já bastaria. Obrigado, amiga... espero poder dar-te essa alegria.
Beijos
Oh Libel,
ResponderEliminarTu és terrível... mas como és a Libel, que posso eu fazer? Mas fiquei a sorrir ( muito ) com o que disseste sobre o poema...
Beijos, amiga
Zelia
ResponderEliminarQue bom encontrar-te aqui. Sim... imagino que também tenhas um livro na memória, não é? E na ausência de palavras, terá certamente imagens...muitas e muitas e muitas.
Beijos, amiga.
Volta sempre.
Lia,
ResponderEliminarObrigado eu pela visita. Espero que te sintas sempre bem, neste grupo aqui à volta da fogueira.
Volta sempre, o café quente está ali ao fundo.
beijos.
Eu fiz as duas primeiras :a árvore e o filho.
ResponderEliminarNão escreverei um livro. A tarefa fica para quem o sabe fazer (como tu).
No entanto vi o meu filho escrever na sua simplicidade de criança uma das declarações mais bonitas que alguém pode receber.
E olha que não foi a mim, mas sim para o pai.
Por isso acredito que a obra mesmo sem ser passada a escrito - é a nossa obra - momentos nossos, guardados com imensa ternura.
Tem uma semana de inspiração e muita felicidade.
Abraço
Dida