Há gestos assim; simples e pequenos.
Claro que seria mais óbvio, natural até… fazer uma festa, convidar uns amigos, abrir um espumante.
As paredes, imaculadamente brancas, esperavam os primeiros quadros.
As lâmpadas acenderam-se pela primeira vez e, mesmo sendo dia, emprestaram um tom quente ao conforto dos sofás, das alcatifas, dos tapetes, da lareira.
Tudo estava pronto.
Sem pressa alguma, deixou o olhar espraiar – a sala, alaranjada – a porta entreaberta da cozinha – o corredor de acesso aos dois quartos, a varanda de pedra voltada para o rio.
Mudar de casa.
Mudar de casa é quase como mudar de vida. Por vezes… muda-se de casa porque a vida mudou. Outras vezes… muda-se de casa porque se quer que a vida mude.
A mudança é necessária – pensou, enquanto pousava o pequeno saco de plástico sobre a mesa.
Claro que nenhuma das amigas percebeu quando ela anunciou “ Vou trocar de casa… e isso é só o primeiro passo. Depois… vou trocar de vida.”
Afinal de contas, para quê? Para quê trocar o que quer que fosse, se ela já tinha tudo?
- Você é louca… largar aquele belo apartamento no centro? Eu era capaz de matar para conseguir um lugar ali… e você vai largar? Assim sem motivo nenhum?
E ela disse que sim.
Motivos?
Isso era uma longa história…
Retirou do saco de plástico o pequeno vaso. As folhas verdes agitaram-se, trémulas, pressentindo um novo destino.
- Ora vejamos… a vossa nova casa…
E foi-se aproximando de uma das janelas da sala.
Três dias antes, ao sair do táxi, já bem próxima de casa, presenciara uma cena assaz curiosa. Dois transeuntes distraídos – um ele de meia idade e lendo distraidamente o jornal e uma ela, bem jovem e segurando desajeitada uma vaso com uma planta – chocavam frontalmente, bem junto do semáforo.
Na mini confusão que se seguiu, e enquanto esperava o troco do taxista, lá foi ouvindo o rescaldo do acidente.
- Perdão, menina… não devia andar com árvores na rua…
- Árvores? Desculpe, o senhor é que vinha a ler essa coisa, nem me viu…
- Claro que vi… e a menina também me teria visto, se esse arbusto não lhe tapasse a visão…
- Que indelicadeza... falta de educação… olhe, pela minha parte, e apesar de não ter tido culpa nenhuma, peço desculpa…
- Não faz mais que a sua obrigação, menina… devemos ter sempre atenção com os mais velhos, sabia?
- … ahhhh… claro, já cá faltava essa… e olhe, a propósito… isto não é nenhuma árvore, nem nenhum arbusto…isto são podas de eucalipto…
- Por mim até podiam ser sequóias ou limoeiros, tanto me dá… e já perdi muito tempo…
Quando finalmente recebeu o troco, a jovem ainda permanecia de joelhos, tentando apanhar alguma da terra que se espalhara sobre o passeio.
Sem saber bem porquê, foi ter com ela.
- E então… a plantinha? Vai sobreviver ao trambolhão?
A jovem lançou-lhe um olhar desconfiado, mas ao ver-lhe o sorriso nos lábios lá acalmou a postura.
- Espero que sim… é resistente… os eucaliptos são resistentes…
Ela dobrou-se sobre os joelhos e apanhou os últimos pedaços de terra, enquanto a jovem tentava endireitar uma haste partida.
- Nunca tinha visto… um eucalipto assim tão pequeno… nem pensei que se vendessem aqui…
A jovem acenou-lhe com a cabeça, toda eloquente.
- Claro que se vendem. O senhor Fernando, ali da loja da esquina… foi lá que arranjei este… gosta?
Ela fez que sim, que gostava.
- Gosto sim… apesar de não ser muito normal ver um eucalipto num vaso de flores…
- Vou colocá-lo na minha janela. Dá-me boa disposição, ao acordar…
- Sério? Boa disposição? Nunca tinha ouvido falar de semelhante coisa…
- É verdade… os eucaliptos na janela significam força, energia, mudança… a sério que não sabia?
- Pois… não, não sabia….
Despediram-se, entre sorrisos e restos de terra por apanhar no passeio de cimento.
- Pronto… bemvinda a casa, plantinha…
E lá pousou a pequena poda de eucalipto junto da janela ensolarada. O reflexo do sol nas folhas verde seco projectou-se sobre o branco das paredes, compondo um jogo abstracto de sombras.
Por vezes, tinha gestos assim; simples e sem motivo.
Sabe-se lá porquê, deu consigo a entrar na loja do senhor Fernando e a dizer que queria uma plantinha para a sala. E quando o bom do florista lhe apontou uns cólios magníficos, ela torceu o nariz e apontou para a prateleira do fundo:
- Não… quero aquele eucalipto, ali ao fundo… o pequenino…
E pronto, estava decidido.
A parede branca borbulhava de movimento.
- Sim… é uma ideia… - deu consigo a murmurar, enquanto se deliciava com o dançar das sombras na parede – uma pintura nessa parede… sim… porque não?
Olhou para o pequeno eucalipto.
. Muito bem, muito bem… mal chegas a casa e já tens sugestões de decoração… e talvez desta vez até te siga a sugestão, sim… aquela parede branca até ganharia muito com uma pintura…
Mudança?
Haverá algo mais desafiador que a imensidão de uma parede branca?
Rolando...
ResponderEliminarme fez chorar...
que texto mais lindo, e pelo que percebo sabes ler muito bem as entrelinhas... indentifiquei-me com cada palavra...
que delicadeza...
tocou meu coração...
beijo enorme
con que ternura acogen estas manos el árbol...
ResponderEliminarsaludos desde Barcelona
Gislene, amiga
ResponderEliminarObrigado pelo selo e pelo carinho.
Tudo de bom para ti.
Beijos
Solange,
ResponderEliminarQue os eucaliptos te façam sempre sorrir e acordar com vontade de mudar o mundo...
Beijos
Beatriz,
ResponderEliminarHá quem fale com as plantas... com os peixes... com as nuvens...
Porque não eucaliptos na janela?
Volta sempre
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