domingo, 30 de janeiro de 2011

Eucaliptos na janela



Há gestos assim; simples e pequenos.

Claro que seria mais óbvio, natural até… fazer uma festa, convidar uns amigos, abrir um espumante.

As paredes, imaculadamente brancas, esperavam os primeiros quadros.

As lâmpadas acenderam-se pela primeira vez e, mesmo sendo dia, emprestaram um tom quente ao conforto dos sofás, das alcatifas, dos tapetes, da lareira.

Tudo estava pronto.

Sem pressa alguma, deixou o olhar espraiar – a sala, alaranjada – a porta entreaberta da cozinha – o corredor de acesso aos dois quartos, a varanda de pedra voltada para o rio.

Mudar de casa.

Mudar de casa é quase como mudar de vida. Por vezes… muda-se de casa porque a vida mudou. Outras vezes… muda-se de casa porque se quer que a vida mude.

A mudança é necessária – pensou, enquanto pousava o pequeno saco de plástico sobre a mesa.

Claro que nenhuma das amigas percebeu quando ela anunciou “ Vou trocar de casa… e isso é só o primeiro passo. Depois… vou trocar de vida.”

Afinal de contas, para quê? Para quê trocar o que quer que fosse, se ela já tinha tudo?

- Você é louca… largar aquele belo apartamento no centro? Eu era capaz de matar para conseguir um lugar ali… e você vai largar? Assim sem motivo nenhum?

E ela disse que sim.

Motivos?

Isso era uma longa história…

Retirou do saco de plástico o pequeno vaso. As folhas verdes agitaram-se, trémulas, pressentindo um novo destino.

- Ora vejamos… a vossa nova casa…

E foi-se aproximando de uma das janelas da sala.

Três dias antes, ao sair do táxi, já bem próxima de casa, presenciara uma cena assaz curiosa. Dois transeuntes distraídos – um ele de meia idade e lendo distraidamente o jornal e uma ela, bem jovem e segurando desajeitada uma vaso com uma planta – chocavam frontalmente, bem junto do semáforo.

Na mini confusão que se seguiu, e enquanto esperava o troco do taxista, lá foi ouvindo o rescaldo do acidente.

- Perdão, menina… não devia andar com árvores na rua…

- Árvores? Desculpe, o senhor é que vinha a ler essa coisa, nem me viu…

- Claro que vi… e a menina também me teria visto, se esse arbusto não lhe tapasse a visão…

- Que indelicadeza... falta de educação… olhe, pela minha parte, e apesar de não ter tido culpa nenhuma, peço desculpa…

- Não faz mais que a sua obrigação, menina… devemos ter sempre atenção com os mais velhos, sabia?

- … ahhhh… claro, já cá faltava essa… e olhe, a propósito… isto não é nenhuma árvore, nem nenhum arbusto…isto são podas de eucalipto…

- Por mim até podiam ser sequóias ou limoeiros, tanto me dá… e já perdi muito tempo…

Quando finalmente recebeu o troco, a jovem ainda permanecia de joelhos, tentando apanhar alguma da terra que se espalhara sobre o passeio.

Sem saber bem porquê, foi ter com ela.

- E então… a plantinha? Vai sobreviver ao trambolhão?

A jovem lançou-lhe um olhar desconfiado, mas ao ver-lhe o sorriso nos lábios lá acalmou a postura.

- Espero que sim… é resistente… os eucaliptos são resistentes…

Ela dobrou-se sobre os joelhos e apanhou os últimos pedaços de terra, enquanto a jovem tentava endireitar uma haste partida.

- Nunca tinha visto… um eucalipto assim tão pequeno… nem pensei que se vendessem aqui…

A jovem acenou-lhe com a cabeça, toda eloquente.

- Claro que se vendem. O senhor Fernando, ali da loja da esquina… foi lá que arranjei este… gosta?

Ela fez que sim, que gostava.

- Gosto sim… apesar de não ser muito normal ver um eucalipto num vaso de flores…

- Vou colocá-lo na minha janela. Dá-me boa disposição, ao acordar…

- Sério? Boa disposição? Nunca tinha ouvido falar de semelhante coisa…

- É verdade… os eucaliptos na janela significam força, energia, mudança… a sério que não sabia?

- Pois… não, não sabia….

Despediram-se, entre sorrisos e restos de terra por apanhar no passeio de cimento.

- Pronto… bemvinda a casa, plantinha…

E lá pousou a pequena poda de eucalipto junto da janela ensolarada. O reflexo do sol nas folhas verde seco projectou-se sobre o branco das paredes, compondo um jogo abstracto de sombras.

Por vezes, tinha gestos assim; simples e sem motivo.

Sabe-se lá porquê, deu consigo a entrar na loja do senhor Fernando e a dizer que queria uma plantinha para a sala. E quando o bom do florista lhe apontou uns cólios magníficos, ela torceu o nariz e apontou para a prateleira do fundo:

- Não… quero aquele eucalipto, ali ao fundo… o pequenino…

E pronto, estava decidido.

A parede branca borbulhava de movimento.

- Sim… é uma ideia… - deu consigo a murmurar, enquanto se deliciava com o dançar das sombras na parede – uma pintura nessa parede… sim… porque não?

Olhou para o pequeno eucalipto.

. Muito bem, muito bem… mal chegas a casa e já tens sugestões de decoração… e talvez desta vez até te siga a sugestão, sim… aquela parede branca até ganharia muito com uma pintura…

Mudança?

Haverá algo mais desafiador que a imensidão de uma parede branca?

6 comentários:

  1. Rolando...

    me fez chorar...
    que texto mais lindo, e pelo que percebo sabes ler muito bem as entrelinhas... indentifiquei-me com cada palavra...

    que delicadeza...

    tocou meu coração...

    beijo enorme

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  2. con que ternura acogen estas manos el árbol...
    saludos desde Barcelona

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  3. Gislene, amiga

    Obrigado pelo selo e pelo carinho.
    Tudo de bom para ti.

    Beijos

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  4. Solange,

    Que os eucaliptos te façam sempre sorrir e acordar com vontade de mudar o mundo...

    Beijos

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  5. Beatriz,

    Há quem fale com as plantas... com os peixes... com as nuvens...

    Porque não eucaliptos na janela?

    Volta sempre

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