- Sinto-me… velho…
- Ora… tu, velho? Estás com melhor aspecto do que eu, ninguém diria que temos a mesma idade…
- … velho… velho e cansado…
- Tu és um rezingão, é o que tu és, sempre descontente com alguma coisa… sinceramente, não sei o que vi em ti, não me lembro que tu fosses assim, quando nos conhecemos…
- Filia, minha querida… tu és uma jovem, continuas bela como sempre. Agora, já olhaste bem para mim? Oh, como me sinto velho…
Ela olhou.
E um segundo depois apeteceu-lhe gritar e desaparecer.
- Efemerus, tu és um idiota. Um verdadeiro idiota. Já estamos juntos há quanto tempo? Mais de metade da nossa vida… nunca estiveste doente… viste nascer três filhos maravilhosos…
- Isso é verdade, mas…
- Nem “mas” nem meio “mas”… és um ingrato…seduziste-me ao primeiro olhar, não te larguei em momento algum, nunca nos zangámos, nunca nos faltou alimento, conforto, amigos… que mais queres tu da vida?
- Eu queria… eu queria mais… mais tempo de vida…
- Para quê, meu querido Efemerus? Para quê?
- Não sei ao certo, Filia… sinto só uma leve injustiça em viver tão pouco tempo…
Filia abanou as asas lustrosas, naquele jeito ímpar que encantara Efemerus, há muito… muito tempo atrás. Era verdade… que se aproximava a hora.
Filia e Efemerus eram dois vulgares insectos, da curiosa família dos efemerópteros, que deviam o nome precisamente ao facto de a sua esperança de vida média ser de … 24 horas, um simples dia pelo padrão humano, um piscar de olhos para uma tartaruga, um leve brisa para uma sequóia, um bocejo do universo.
- Efemerus?
- Sim, meu amor?
Ela entrelaçou as asas translúcidas nas dele, sentindo-o frio. O tempo esgotava-se.
- Efemerus… sabes uma coisa? Adorei cada um dos segundos que vivemos juntos… esvoaçando por aí, fugindo da chuva, alimentando os nossos filhotes… e descobri algo que provavelmente tu ainda não descobriste, apesar de termos a mesma idade…
Ele fitou-a longamente, os olhos já baços de um fim eminente.
- E o que foi.. que descobriste, Filia?
A voz fraquejava-lhe.
- Descobri, meu companheiro de aventuras… que valeu a pena. Que um dia, uma primavera, um ano, um milénio… não alteram rigorosamente nada do que somos, ou do que vivemos… ou do que deixámos de viver. Amanhã… e disto tenho a certeza absoluta… eu, tu, todos os nossos amigos, seremos simplesmente memórias no baú de lembranças dos que vierem depois de nós. Portanto, meu querido Efemerus… valeu a pena, não concordas?