terça-feira, 29 de março de 2011

O poeta triste

( Origem da imagem aqui )

O poeta sentou-se, exausto.

“Terminei a minha obra prima, mereço descansar…” - pensou, encostando-se ao troco da árvore.

E assim permaneceu, atento ao cair das folhas… na esperança vã que a brisa primaveril o bafejasse de novo com a inspiração.

Mas o tempo passou, passou… as brisas deram lugar ao estio e às tormentas do Outono… e a inspiração… não chegava.

“ Só uns versos, não peço mais… só o inicio de uma estrofe…”

Mas nada…. Rigorosamente nada lhe brotava dos dedos, nem a simples vontade de afagar a erva macia onde se sentara.

Foi então que um pequeno pássaro castanho – talvez um pardal – lhe pousou aos pés, estranhando tal imobilidade.

- Morreste, ó poeta? – chilreou ele, de um jeito pouco comum nos da sua espécie.

- Não, pardalito… não morri… estou simplesmente à espera que me chegue a inspiração…

O pardal abriu o bico, hesitando em responder.

Segundos depois, levantou de novo voo, desaparecendo entre as folhas secas das acácias.

O poeta permaneceu sentado, ainda à espera.

No dia seguinte, o pequeno pardal, no seu voo matinal em busca de sementes, encontrou-o no mesmo local, encostado ao tronco da árvore, contemplando ansioso o percurso das nuvens no céu.

- Bom dia poeta… - cumprimentou o pardal – já encontraste o que procuravas?

O poeta balançou a cabeça, o desânimo estampado no rosto.

- Ainda não… passam ventos, dias e noites, estações, chuva e até crianças a brincar… só não passa a minha inspiração…

O pequeno pássaro seguiu viagem. Havia que aproveitar o dia, o Inverno aproximava-se a passos largos e urgia recolher todo o alimento que fosse possível encontrar.

Passaram-se alguns dias, até os caminhos do pequeno pardal se cruzarem com a árvore descanso do poeta.

- Bom dia poeta… como estás hoje?

O poeta, visivelmente mais magro e abatido por tão prolongada espera, lá conseguiu erguer um dedo e esboçar um sorriso.

- Olá, pardalito… continuo à espera… continuo à espera…

Desta feita, o pardal não conseguiu mais conter a resposta.

- À espera? À espera de quê?

- Da inspiração, claro… que mais poderia ser? Eu sou um poeta, não percebes? Preciso de inspiração…é o meu alimento, sem ela eu morro…

O pardal chilreou algo ininteligível.

- Poeta… eu também morreria… se não procurasse todos os dias o meu alimento…

- Ora …. Isso é fácil… tu tens asas, podes voar, percorrer os campos… ah, se eu ao menos pudesse voar…

O pequeno pardal esticou as asas, preparando-se para levantar voo.

- Poeta, poeta… se eu ao menos pudesse falar, caminhar, ser humano… mas crês tu que sou menos feliz por não o ser?

E como o poeta não lhe soubesse responder:

- Poeta, poeta… que triste poesia é a tua… que nem no milagre de teres encontrado um pássaro que fala contigo consegues ver um pouco de inspiração…


sábado, 26 de março de 2011

Terceiro acto - Uma história invulgar


Terceiro acto

A enorme sala do nobre teatro engalanara-se a rigor; os lustres polidos, o estuque retocado, a tapeçaria do corredor central substituída. Uma vez por ano, a academia literária reunia-se de forma extraordinária para atribuir os prémios aos seus notáveis pares, nas várias categorias de drama, ensaio, novela, poesia, revelação. Uma cerimónia já com mais de meio século de existência e que, pela primeira vez na sua história, iria englobar até uma nova distinção, mercê da intercepção de um mecenas das artes, um empresário milionário ligado ao mundo do jogo e dos casinos – o prémio Lusofonia.

À hora marcada, as luzes apagaram-se e à boa maneira americana, o apresentador de serviço saltou para o palco, ao mesmo tempo que se iniciava a projecção de uma pequena peça documental, retratando momentos significativos da academia, rostos ilustres já premiados, capas de obras notáveis, imagens de tertúlias, livrarias, alfarrabistas, gente anónima a ler nos parques, nas praias, nos autocarros…

O apresentador aproveitava as deixas programadas e lá ia introduzindo “ e este ano, graças ao empenho pessoal da fundação Andrade, na pessoa do seu presidente… “

Margarida lançou um olhar distraído em redor.

Sempre tivera uma estima especial por aquele teatro, um daqueles locais que exalava uma atmosfera única, contagiante. Ali assistira a muitos ciclos de cinema, num tempo em que o espaço – antes de servir para as galas da moda – era utilizado por companhias de teatro amadoras, pequenos eventos culturais e projecções de cinema independente.

“ Betty Blue”, “ Vivement dimanche “, “ La grande bouffe “, “ Ran “… e “ Les uns et les autres”, de tão grata memória.

As memórias são, por vezes, estranhas companheiras.

Esboçou um leve sorriso, ao recordar aquele último título, um filme enorme, com uma banda sonora fantástica, com as últimas cenas e… uma coreografia do bolero de Ravel como nunca havia visto até então.

Repetira o filme… duas vezes, acompanhada.

Memórias.

O apresentador passara a palavra a um conhecido novelista, autor de várias obras já passadas ao pequeno ecran. “ E na categoria de novela, a academia distinguiu este ano…”

Não era o tipo de obras que mais a seduzia. Em boa verdade… esperava ansiosamente o tal prémio especial, que distinguiria de uma forma inovadora, um trabalho conjunto de dois autores… e sabia-se dos bastidores que essa colaboração envolvia a ilustração de uma obra… e que ambos os autores eram desconhecidos do grande público.

“ E agora, na categoria de ensaio, a academia decidiu atribuir…”

Estranhas, as voltas do mundo – pensou. Tantas e tantas vezes ali se sentara, nas desconfortáveis cadeiras de tecido vermelho… e agora, volvidos os anos, ali se encontrava de novo.

Uma ovação fê-la regressar à realidade.

O milionário filantropo subira ao palco e após agradecer discretamente os aplausos, iniciara uma longa dissertação sobre as virtudes do mecenato, o apoio às artes, o seu gosto pessoal pela literatura e pintura, conseguindo misturar e incluir no discurso a promessa de mais iniciativas como aquela, em prol da cultura.

“ É portanto com imenso prazer que a fundação Andrade, em estreita colaboração com o júri desta academia, vai entregar o primeiro prémio Lusofonia a dois jovens valores, um no campo da ilustração gráfica… e o outro na categoria de romance… pela colaboração original que deu origem a essa obra notável que nos surpreendeu a todos… os filhos de África. Minhas senhoras e meus senhores… Teresa Augusta de Melo “

Uma salva de palmas acompanhou a entrada da figura esguia, uma mulher de meia idade toda vestida de negro, nitidamente pouco habituada a pisar palcos. Vacilou um pouco, agradeceu com uma vénia tímida e recebeu das mãos do orador um estojo aveludado, acompanhado de um envelope.

Margarida não a conhecia.

Ouvira falar da obra – os filhos de África – aparentemente um romance sobre a vida aventureira de Diogo Cão, navegador com o nome ligado às terras de Angola. As ilustrações – dizia-se – reproduziam de modo soberbo todo o inóspito continente e as suas gentes, uma autêntica obra-prima.

“… e o co-autor deste notável trabalho… jovem promessa do nosso meio literário… “

Margarida espreitou curiosa. Seria alguém conhecido?

“ … José Duarte Almeida, que com esta sua primeira obra publicada, se destaca…”

Não… aparentemente também não lhe dizia nada; nem o nome, tampouco a figura, um jovem de barba rala e casaco de xadrez. Mas enfim… não podia ter a pretensão de conhecer toda a gente… apesar de ser muito boa a fixar rostos.

- Menina… o casaco…

Ela virou-se em sobressalto, não se apercebera da presença.

- Oh, desculpe… não reparei que estava aqui… se me dá licença…

Pegou no pequeno círculo de plástico numerado e lá foi procurar o respectivo casaco. Ah, ali estava ele, bem ao canto.

Entregou-o com um sorriso, preparando-se para a horda de apressados que muito em breve ali se acotovelariam ao balcão, recolhendo os casacos, chapéus, gabardinas e chapéus de chuva, principalmente chapéus de chuva.

À parte o pormenor de permanecer de pé longos períodos, gostava do trabalho. O bengaleiro do velho teatro era bastante espaçoso e amplo, com uma vista privilegiada sobre uma das entradas da sala, o que lhe permitia sem grande esforço assistir a tudo o que ali decorresse, sem praticamente precisar de abandonar o local de trabalho.

- … é aquele claro, ali ao fundo… - lá ia dizendo mais um recém-chegado, depositando-lhe a ficha plástica nas mãos – e também o chapéu de chuva que está mesmo ao lado…

Ela apanhou-o e repetiu o procedimento habitual; pendurar o círculo numerado no local, conferir o objecto a devolver, sorrir para o cliente, dizer boa noite.

- Tenha uma boa noite, senhor…

Meia hora depois, restavam apenas três ou quatro objectos por recolher.

- Agora já me sabia bem um pouco de descanso… - murmurou.

Abaixou-se para esfregar o joelho esquerdo, sempre mais maltratado. Aquela sensação de calor incomodativo nas pernas – talvez o prenúncio de varizes – era horrível.

- Por favor… aquela gabardina…

Quase de cócoras e de costas voltadas para o balcão, estremeceu.

Há vozes… que nunca mais se esquecem.

E mesmo sem adivinhar o quanto poderia o tempo ter alterado aquele rosto, sabia perfeitamente que o reconheceria, em qualquer recanto do mundo onde o visse.

Virou-se lentamente.

- Teodoro…

Ele, farda de motorista de limusina e chapéu na mão, encostado ao balcão… abriu os olhos de espanto.

- Margarida…

Pois bem… perguntam vocês…. Então e depois?

Pois… não existe um depois para ser contado, não existe um final feliz ou infeliz… existe simplesmente um reencontro, um reencontro improvável num palco que porventura ambos quereriam pisar… mas que o destino e as contingências da vida ditaram de modo bem diferente.

Teodoro não seguiu a carreira de escritor, Margarida não se transformou numa pintora famosa. Seguiram os seus destinos e estranhamente… voltaram a encontrar-se.

O futuro destas nossas personagens… seria o quarto acto.

Que não será escrito aqui.

Nem eu sei se após aquele assombro… sorrirão um para o outro, se os olhos brilharão um pouco mais, se o coração baterá mais depressa.

Chega uma altura em que o destino – nem que seja na forma de escrever uma história – se rende ao supremo dom da criação.

As nossas personagens… Margarida e Teodoro… são senhoras do seu próprio destino.

E como tal, senhora e senhores, meninas e meninos… vamos…. Deixemo-los a sós agora por uns momentos… certamente terão muitas coisas para dizer um ao outro, não vos parece?

Vá… vamos … deixemo-los a sós…

quinta-feira, 24 de março de 2011

Segundo acto - Uma história invulgar

( Pintura de Joanna Misztal )


Segundo acto

Pois… é verdade, Teodoro e Margarida encontraram-se. E mais do que isso… completaram-se, num estranho desígnio intraduzível por palavras. Como ele – tão hábil com as palavras – gostava de repetir… “ela era a mais improvável companhia que ele poderia encontrar e no entanto… os dias perdiam absurdamente o sentido sem ela por perto”.

Margarida sorria, embalada pelas palavras. Coloria-lhe os poemas, numa conjugação perfeita daquilo que ele pensara escrever e só disfarçara em estrofes rimadas.

Talvez que afinal… as pinturas e as palavras se completassem, porque não?

Um dia, ela desenhou a silhueta fugaz de uma mulher, carregando um cântaro sobre a cabeça, quase um pequeno ponto escuro, numa tela colorida de cor-de-laranja. E enquanto hesitava sobre o fundo e os pormenores para completar a obra, ele acercou-se de mansinho e murmurou-lhe ao ouvido “ deixa assim… ela está no deserto, não está? O deserto é assim… “

E ela sentiu-se lida na alma, como se os pensamentos entre os dois fossem cristalinos, transparentes.

O tempo passou. Não interessa quanto.

Mas passou.

Um dia, sem aviso prévio… separaram-se. A desconfiança instalara-se entre os dois; ela sentia uma espada em cada palavra que ele escrevia, ele sentia o ardor do ciúme em cada rosto que ela desenhava.

Os pensamentos – antes transparentes – criaram lodo e odor fétido, escorrendo em palavras gastas, repetidas, ofensivas, dilacerantes.

Será assim que se perde o paraíso?

Quando simplesmente se deixa de acreditar … que ele existe?

O certo é que as nossas duas personagens deixaram de acreditar; no paraíso, no amor, na confiança, nelas próprias.

E como querubins expulsos do jardim celestial, viraram-se costas e fugiram, cada qual para seu canto do mundo, na esperança vã de procurar um novo paraíso.

E mais uma vez… o tempo continuou a passar.

Desta vez… de uma forma estranhamente lenta, como se até ele se recusasse a contribuir para aquele aumentar da distância entre os dois.

Não, dirão vocês… mas afinal a história é banal… tantos e tantos casos de pretensas almas gémeas que se encontram e quase completam… para logo depois se voltarem a separar. É a vida, o simples decurso normal dos dias, a insustentável leveza do ser, como diria o escritor…

E têm razão… ou melhor, teriam razão… se a história terminasse aqui.

Mas não termina, este foi simplesmente… o segundo acto.

E ainda falta o último erguer do pano… e o desenlace final.



quarta-feira, 23 de março de 2011

Uma história invulgar


Primeiro acto

Senhoras e senhores, meninas e meninos…. Vou contar-vos a história de Margarida e Teodoro, duas personagens vulgares como tantas outras… e de como o destino ( à falta de melhor nome ) os escolheu como protagonistas de uma história no mínimo… invulgar.

Margarida era uma garota de tranças, irrequieta e pouco dada à obediência. Dividia um amor incondicional entre o seu estojo de pintura – oferta da avó – e o cão Napoleão, este sim, nada irrequieto e bastante amigo de longas e bocejantes sonecas, enroscado aos pés da dona. Na escola, era conhecida entre os professores como a “Mordillo”, uma alusão ao célebre cartonista.. e que a acompanhava desde o dia em que pintara uma caricatura de todos os professores da turma, no pátio branco da escola. A pintura foi apagada… entre gargalhadas, assobios e um lamento do professor de desenho, que ainda tentou interceder por ela.

Teodoro frequentava outra escola, outro bairro, outra cidade.

Escrevia nas paredes como quem escreve num diário – poemas, divagações, por vezes pequenas histórias. Não era muito popular entre as raparigas, tampouco o primeiro a ser escolhido para os jogos de rapazes. Mas era um ás naqueles saltos das aulas de ginástica, e provocava sempre sorrisos entre os amigos quando dizia: “ quando eu tiver um animal de estimação, será um castor, ou um esquilo. E chamar-se-á Martinho”.

Conheceram-se numa daquelas coincidências banais – uma visita de estudo, um intercâmbio de alunos entre as duas escolas.

Margarida acabara de descer do autocarro e observava a parede branca de um edifício abandonado, mesmo em frente ao portão da escola. Chamou-lhe a atenção um conjunto de linhas – qual carreiro de formigas – que preenchia a parte inferior do mesmo.

Observou com mais atenção – frases? Um jornal de parede?

Mordida pela curiosidade, galgou a rua e acercou-se do edifício, acompanhada por uma colega.

- O que é isto? A bíblia? Um testamento? – brincava a amiga.

Margarida devolveu-lhe o sorriso, lendo ao acaso algumas das linhas.

- São histórias, creio… alguém se deu ao trabalho de ir escrevendo aqui histórias… - e ia seguindo com o dedo o percurso sinuoso das palavras – e poemas… também tem poemas…

A amiga lançou-lhe um adeus e voltou para junto dos restantes colegas.

- Não te demores… a visita começa às onze… - ainda gritou

Margarida já não a ouviu. Tropeçara numa ilha, uma história de náufragos e de salvamentos, depois saltara para outra… e ainda outra. Num dos extremos da parede, reparou que a partir de uma dada altura, surgiam datas, como se o autor estivesse a datar os escritos – alguns bem recentes.

- Olha… esta é de hoje… - murmurou

“ De que valem os sonhos, de que vale toda a magia… se for escrita e não lida, se for guardada e não usada? Eu não quero ser copo de cristal para banquetes e cerimónias, quero ser usado, quero sentir e ser sentido, não quero ser só o confidente dos que me procuram…”

Lembrava-se de já ter escrito algo de semelhante… mas não numa parede.

Instintivamente, levou a mão ao bolso e retirou um lápis de cera azul – trazia sempre algum consigo.

Em três tempos, desenhou duas silhuetas, de mãos dadas, com uma linha de horizonte e algumas palmeiras em fundo. Depois acrescentou por baixo, em letras pequenas:

“ Não és o único… bem vindo à minha praia e aos meus sonhos.”

E afastou-se a correr, de encontro ao resto do grupo.

Pois, perguntarão vocês… mas isto não foi um encontro! É verdade, não foi um encontro real… mas foi assim que se iniciou o processo… quando uma das almas começou a procura da outra. E depois… bem… depois foi assim…

Algumas semanas depois, ocorreu uma nova visita, no seguimento do mesmo intercâmbio; a escola previamente visitada retribuía agora a visita, levando alguns alunos para participar numa série de actividades relativas à preservação do ambiente.

Teodoro, claro… fazia parte da comitiva, como podem imaginar.

E foi naquele final de tarde chuvoso, após a projecção de um filme sobre a extinção dos habitats… que algo aconteceu às nossas duas personagens.

No âmbito de um projecto escolar, a turma de Margarida fora encarregue de pintar um painel alusivo ao ambiente, com textos e imagens, para posteriormente ser exposto numa feira escolar. E Margarida, muito naturalmente… fora a escolhida para desenhar a imagem de fundo, sobre a qual os colegas teriam que redigir algumas frases relativas ao tema.

E Margarida… pintou.

Imersa nos seus pensamentos, alheia a tudo o que a rodeava… pintava, misturando as tintas de spray com traços nervosos a cera, a carvão, pinceladas de guache, uma mescla improvável de tudo o que a mão alcançava.

Pintava… uma queda de água.

Em sonhos… conhecia aquele lugar como a palma das suas mãos. Um jorro de água cristalina a brotar das pedras, galgando a muralha de pedra e projectando-se no vazio, para se desfazer em espuma alguns metros abaixo, numa pequena lagoa de águas revoltas, ladeada de nenúfares e ervas altas.

E no alto, bem no ponto mais alto, uma enorme laje, como se a natureza houvesse escolhido aquele local como um pequeno santuário, um éden esquecido no meio dos campos, só acessível em sonhos.

Teodoro permanecia imóvel, contemplando simplesmente o enorme mural, o azul cheio de espuma brilhante a entrar-lhe pelos olhos.

Sem saber como, sentia o rosto molhado de espuma.

Margarida, indiferente à presença de todos os visitantes, continuava a pintar, afastando-se compassadamente para – ao de longe – conseguir abarcar uma melhor visão do conjunto.

- Eu já sonhei com esse lugar… - murmurou baixinho Teodoro.

E foi então que talvez algo verdadeiramente tenha acontecido.

Como poderia Margarida ter ouvido tais palavras, pouco mais que um murmúrio confesso, no meio da algazarra dos muitos alunos, de ambas as escolas, que se acotovelavam para espreitar o enorme mural?

Mas… ouviu-as.

Não foi preciso procurar muito.

A muitos metros de distância, Teodoro engoliu em seco. Sem saber bem o como ou porquê, teve a certeza que o seu desabafo – na forma de um murmúrio – fora ouvido… e percebeu, num instante que teve o sabor de uma eternidade, que acabara de encontrar a autora da estranha pintura sobre o seu mural, com aquela frase “ Bem vindo á minha praia e aos meus sonhos”.

Sim, é verdade… foi assim que as nossas duas personagens deste conto se conheceram… mas… não se levantem ainda, a história ainda não terminou… não querem saber o que aconteceu a seguir?






sexta-feira, 18 de março de 2011

O anel


O círculo é a união perfeita… sem um inicio, um meio ou fim. Talvez fosse por isso que os anéis tivessem um simbolismo tão… mágico.

De platina, ouro ou simplesmente prata, como aquele que agora rolava preguiçosamente por entre os dedos.

Fechou os olhos e deixou-se embalar pelo ruído das ondas. À sua frente, um mar imenso espraiava-se sobre areias brancas e conchas brilhantes, a praia deserta de gente e pejada de gaivotas tardias. Um final de dia, mais um final de dia.

O que procurava verdadeiramente?

Porque não existiria um manual da felicidade, com capítulos pormenorizados sobre as vicissitudes da vida, sobre a solidão, sobre o amor e o desamor, sobre a ausência e sobre o modo mais simples de ser simplesmente… feliz?

O anel continuava a rolar sobre os dedos. Brilhante, polido, repleto de sonhos ainda por cumprir.

A curta distância, um casal pedia a um transeunte ocasional – por favor, não se importa de nos tirar uma fotografia?

Sorriu, as memórias bem vivas a aflorar-lhe ao espírito.

Retirou o anel do dedo e entreteve-se a fazê-lo girar como um pião, sobre o muro baixo que separava o passeio marginal do areal da praia.

E o anel girava, girava, girava, como se animado de uma energia insuspeita, capaz de vencer obstáculos e resistir ao tempo…. E continuava a girar…

Nesse momento, algo de inacreditável aconteceu.

Uma gaivota mais afoita desceu em voo picado e num rasgo de inaudita ousadia, acercou-se do paredão, planou uns segundos, encolheu as asas e… apanhou o anel com o bico, em pleno movimento, erguendo-se de novo nos ares.

- Não… o anel não… - gritou ele, entorpecido pelo insólito da situação – o anel não…

Mas era tarde demais. A gaivota bateu as asas e afastou-se num ápice, em círculos cada vez mais largos, sobre o areal.

Ele sentiu um aperto, a garganta a fechar-se sobre si própria.

- Por favor… o anel não… nada mais tenho… o anel não…

Os turistas de ocasião continuaram imperturbáveis as suas vidas, alheios ao pequeno drama que ali se desenrolava. A estância balnear, tão disputada no verão, reduzia-se a uma mera aldeia na estação baixa. As gaivotas misturavam-se com as pessoas, já ninguém estranhava de as ver pousadas no pequeno muro.

- Por favor… eu entendi o recado… por favor… não me leves o anel…

Um silêncio leve caiu sobre a praia, interrompendo o grasnido desordenado dos bandos de gaivotas. Uma delas em particular continuava volteando em círculos sobre o areal, mais e mais círculos, talvez indecisa sobre o rumo a tomar ou o local para pousar.

E foi então que… algo de mais incrível ainda aconteceu.

A gaivota mudou subitamente de rumo e planou em descida suave até ao muro, onde pouco antes pousara.

E desta vez, sem pressa, estranhamente animada de uma intenção… pousou a poucos centímetros, baixou o bico e deixou cair sobre a pedra branca… o anel.

Ainda assim permaneceu largos segundos, como se a tentar transmitir algo de importante, numa linguagem feita de olhares e silêncios. A mensagem era para ele… e só para ele.

Finalmente bateu as asas e levantou voo, desta feita em linha recta, rumo ao oceano.

Existem momentos na vida em que até o respirar pode ser o mais doloroso sentir.

Pegou no anel como um cirurgião seguraria um coração humano.

Não queria explicações.

Não queria perceber.

Durante muito tempo, demasiado tempo… procurara explicações para tudo.

Uma simples gaivota acabara de lhe demonstrar que a vida nem sempre segue o manual.

Mas que por vezes… existem segundas oportunidades… e que acima de tudo, viver é… um acto de fé…

quinta-feira, 17 de março de 2011

Elegia da sorte


- Maravilhoso, fantástico…

- Já reparaste nas cores, aquelas tonalidades?

- O recorte?

- Como é que ele conseguiu… aquela forma?

- Pois… por isso é que as gotas do orvalho só o procuram a ele…

Os trevos acotovelavam-se de incontida inveja, olhando de soslaio para aquele congénere felizardo, beijado pelas gotas do orvalho matinal.

E ele – o visado – inchava de orgulho, as suas três folhas verdejantes de vida, sorrindo discretamente para todos quantos o rodeavam.

Os outros – claro, todos os outros – eram simples trevos de quatro folhas. Monótonos, simétricos. Ele… ele era único.

Ele possuía… três folhas.

Nascera assim, fruto de uma qualquer coincidência ou predestinação.

Era especial, procurado pelas gotas de orvalho.

Sorriu, enquanto murmurava:

- Doce primavera…. Vem…

Os outros trevos de quatro folhas continuaram os seus murmúrios de desencanto. Oh, como deveria ser maravilhoso, fantástico mesmo… ter nascido um trevo de três folhas…



segunda-feira, 14 de março de 2011

Poema da insónia

( imagem de Igor Panov )

Deitou-se, o corpo dorido sobre o tapete macio do quarto.

O sono fugira-lhe por entre os dedos, como uma memória tardia.

Por um segundo, desejou ser pássaro, gaivota ou simples rouxinol, sem mais palavras que o cantar trinado das manhãs.

Porque teria que ser tudo… tão complicado?

Porquê… tantos porquês?

Já dizia o célebre escritor romano Públio Siro “ Ninguém pode fugir ao amor e à morte “.

Fechou os olhos. Divagava.

Não queria fugir.

Nem ficar.

Não queria estar… nem deixar de estar.

Que angústia, a de querer nada ser, nada sentir, nada sofrer.

Simplesmente adormecer.

E descobrir em sonhos uma razão maior para continuar a respirar…


quarta-feira, 9 de março de 2011

As três irmãs


“ Para a mais bela das rosas “

Nem mais uma palavra, nem assinatura.

Nem um remetente, tão pouco um destinatário.

Simplesmente o papel dobrado de fresco, a caligrafia fina e.. aquela rosa, uma rosa vermelha como nunca havia visto igual.

- Alice… Marta… - gritou – venham ver… venham ver…

As irmãs acorreram ao pátio, onde Leonor – a mais nova das três – pegava cuidadosamente na estranha oferta que alguém deixara na soleira da porta.

- Uma flor… - repetiram em uníssono.

Por um segundo, assaltou-lhes o mesmo pensamento.

- Para quem é? – quis logo saber Marta, a mais velha das três.

- Quem ofereceu ? – contrapôs Alice.

Leonor abanou a cabeça, sem resposta para nenhuma delas.

- Não sei… o papelinho não dizia nada… - e exibiu o papel dobrado na ponta dos dedos.

Alice, a mais irrequieta das três apanhou-o de pronto, releu-o três vezes, tentando descobrir algo mais do seu remetente.

- Será do Serafim, o filho do padeiro? Eu sei que ele está apaixonadíssimo por mim…

Marta ria.

- Desculpa, minha querida irmã… e porque seria a flor para ti? Eu é que sou a mais velha… e também me oferecem flores…

Leonor, a que encontrara a misteriosa oferta, assistia impávida à querela, segurando numa mão a flor, na outra o papelinho dobrado.

- Também pode ser para mim… - ainda tentou.

As irmãs não ouviram o desabafo. Seria o Serafim? O José, aquele que se instalara recentemente na aldeia, o ruivo? Ou o filho do sacristão, o Manelinho? Oxalá não fosse o Rogério… o chato do Rogério, sempre com aquela brilhantina pegajosa no cabelo…

Mas a rosa… a rosa era linda, ainda um botão a desabrochar, vermelho rubro sem mácula. Ditosa a escolhida, se a paixão de quem oferecera a flor se assemelhasse a tal beleza natural.

As três irmãs, tão próximas na idade, não poderiam ser mais diferentes entre si – na personalidade, nos gostos, nas preferências, até no modo de vestir e andar. Marta, a mais velha era a face de Vénus, rosto perfeito e olhos verdes esfusiantes, roliça de corpo e desembaraçada no andar. Nos bailes da aldeia era sempre a rainha da festa, a primeira a ser escolhida para dançar. Era bela, extraordinariamente bela… e sabia-o.

Alice - um ano mais nova – era loura e de olhos azuis, pele branca e lábios finos, uma deusa nórdica nascida entre paisagens do sul. Não era só Serafim - o músico - que se encantara com tamanha beleza. Josué, o professor de pintura dedicara-lhe um quadro, qual ninfa entre as águas, descansando nas margens do rio.

Mas Alice era – sempre fora – a arrelia da pacífica aldeia, irrequieta e de temperamento explosivo. Não caminhava… corria. Não sabia falar baixo… e discussão em que participasse… teria sempre que terminar com a sua opinião… em último lugar.

Leonor, a mais nova das três, resultara numa mistura temperada; morena e de olhos negros, delgada de figura e atraente de perfil. Vestia como uma cigana, roupas largas e lenços coloridos, que faziam as delícias dos rapazes, com quem competia de igual para igual nas travessuras da escola. Carregava permanentemente um livro – ou dois – que por mais que uma vez já arremessara com delicada pontaria à cabeça de um pretendente mais atrevido.

Posto isto, quando no dia seguinte surgiu uma segunda rosa – amarela – na soleira da porta, acompanhada de um bilhetinho, Leonor – sempre a primeira a ouvir a sineta – não teve pejo em gritar:

- Meninas… o vosso pretendente deixou novo recado…

E mais uma vez Marta e Alice se precipitaram sobre a irmã mais nova, debatendo-se para lhe retirar o papelinho dobrado de entre os dedos.

“ Queres ir passear amanhã até ao lago da floresta? “

Assinado : R

- Oh, não… será o Rogério? Por favor, que não seja o Rogério… - suplicava Marta, retorcendo os dedos – todos menos o Rogério, por favor…

- Creio que o Serafim também tem Raul no nome… pode ser o Serafim… - e Alice continuava firme naquela suspeita.

Leonor já esquecera o papel, entregando-se à contemplação da rosa amarela; aliás, acomodara cuidadosamente a rosa vermelha numa jarra, com água e atenções. Não se lembrava de ver rosas tão perfeitas como aquelas, em nenhum dos canteiros da aldeia. De onde teria o misterioso pretendente colhido tão belas flores?

Marta lá ia enumerando o rol de possibilidades, perante o olhar de descrença das irmãs.

- Raul, Rogério, Ricardo, Rafael, Ramiro, Roberto, Rudolfo…

- Parem com isso… - e Leonor esbracejava, perdida de riso – vocês parecem duas baratas tontas, à procura de uma guloseima.

As irmãs interromperam o ritual por um segundo, enquanto Alice espetava o dedo na direcção da irmã mais nova.

- Leonor pela verdura… não te intrometas, ainda és muito nova para estas coisas…

A irmã mais nova corou de incontida raiva. Oh como ela detestava aquela comparação do Camões, a eterna estrofe do “ Leonor pela verdura, vai formosa e não segura “. Já respondera à letra – e por mais que uma vez – aos rapazes menos inspirados, sempre que se descaíam com aquele tão pouco original galanteio.

Optou portanto por lhes voltar costas e correr escadas acima, em direcção ao quarto.

Fosse como fosse, o dia seguinte afigurava-se prazenteiro e dado a surpresas.

E assim, no dia seguinte…

Como há muito não sucedia, o toque da sineta da porta foi ouvido pelas três irmãs.

Sem surpresa, Leonor foi ultrapassada em corrida ao descer as escadas, Alice precipitava-se para a porta, com Marta na peugada.

Aparentando a maior das naturalidades, foi Alice que conseguiu abrir a porta.

- Olá…

A figura do outro lado levou a mão ao boné, segurando desajeitadamente uma rosa branca entre os braços.

- R… Romeu? – e Alice sorria.

Romeu, o filho do pastor, devolveu-lhe o sorriso.

- Olá, Alice… como estás?

- Olá Romeu… estás muito bem, ficas muito bem assim… - gaguejou ela

Ele suspeitou dos pensamentos que lhe iam na alma e foi logo avançando.

- Obrigado, Alice… tu também estás muito bem… e diz-me… ela está aí?

Alice abriu os olhos, pronta para a surpresa. Pois então Marta nem lhe dissera nada? Sabendo já antecipadamente, deixara-a enumerar todos os “R” deste mundo… ora, ora…

- Marta… - e ergueu a voz, fingindo que a irmã não se encontrava escondida bem atrás de si – está aqui o Romeu… e trás uma flor para ti…

Foi a vez do filho do pastor a interromper, aflito.

- Marta? Não, não… eu vim ver a Leonor… a Leonor… ela não recebeu os meus recados?

As duas irmãs mais velhas trocaram um olhar de desentendimento.

Leonor, parada a meio das escadas, corou.

Sim, claro que conhecia Romeu.

No baile da primavera, ele sentara-se ao lado delas, até cirandara Alice, dançara com ela, trouxera uns amigos, contaram anedotas. Lembrava-se de ter trocado algumas palavras com ele, não mais que algumas palavras. E agora… ali estava ele, de rosa branca na mão, a convidá-la para sair?

Olhou para ele.

Romeu, o filho do pastor, ocupava a soleira da porta em contra luz, mal lhe reconhecia as feições.

Desceu as escadas e acercou-se da porta, as irmãs com um mal disfarçado sorriso ao canto dos lábios.

- Olá, Romeu…

Ele esticou o braço, a rosa branca na ponta dos dedos.

Uma rosa e um convite.

Ele parecia estar a dizer-lhe “ Vens? “

E ela – sabe-se lá porquê – mesmo sem ouvir a pergunta, lá se ouviu a murmurar:

- Vou, sim…

quinta-feira, 3 de março de 2011

I wish you were here


“ I wish you were here “

Assim cantavam os Pink Floyd – pensou – num tempo já distante em que algumas canções eram mais que canções, eram bandeiras.

Rodou com prazer o botão do volume e o auto-rádio dedilhou os acordes inconfundíveis daquela viola, rasgando o silêncio primaveril.

Estava sozinho.

Oxalá tu pudesses estar aqui… cantava o vocalista, naquela voz rouca que fora ficando mais rouca, com o passar dos anos.

Olhou em redor; uma vastidão de silêncio, águas calmas e margens verdes cobertas de malmequeres brancos e amarelos, bandos de garças e cegonhas, pardais fugidios e nuvens brancas longínquas.

Pisou o tapete musgoso, deixando abertas as portas do automóvel – havia que soltar a música, sentir o vento no rosto, esticar os braços.

Por vezes, os passos sem rumo levam-nos a insuspeitos paraísos. Fora o que lhe acabara de suceder, ao decidir naquele passeio matinal virar à direita num cruzamento da estrada onde sempre virara à esquerda. E um gesto tão simples, num cruzamento que conhecia há mais de vinte anos… levara-o a um local desconhecido, simultaneamente tão perto e tão longe da civilização, sereno e pejado de pássaros em voos tranquilos.

Oxalá tu pudesses estar aqui… repetia o refrão… percorrendo o mesmo velho chão… o que encontramos? … os mesmos velhos medos…

Running over the same old ground.
What have you found? The same old fears.

Era verdade.

Os mesmos percursos só podiam originar os mesmos destinos. Como esperar coisas novas dos dias, continuando sempre a realizar as mesmas acções? Uma simples decisão, o virar errado do volante, um novo caminho, um novo destino. E como imaginar que aquele local pacífico se encontrava ali bem perto… ao alcance dos dedos… sem nunca o ter descoberto?

Uma garça mais afoita planou a curta distância, talvez curiosa pela inusitada presença.

A poucos metros, um “escorrega”; talvez que durante o verão – quem sabe até antes – aquele local fosse utilizado como praia, parque de merendas ou retiro de pescadores. Talvez que alguém se tivesse lembrado de ali montar aquela estrutura para entreter a pequenada. O certo é que aquela silhueta colorida, habitualmente associada aos risos e travessuras das crianças… parecia estranhamente deslocada, envolta num silêncio que não lhe pertencia.

Memórias de outros tempos… como aromas de infância; sim, era isso, o passado assemelhava-se a um aroma, a uma fragrância… algo de etéreo, não palpável… mas vivo. Tal como aquele “escorrega”, ali isolado numa paisagem azul.

Por vezes – pensou – é necessário reencontrar a personagem fugidia que se esconde cá dentro… conseguir chegar à fala com ela, perguntar-lhe os seus mais secretos desejos.

Por vezes, o “ Oxalá tu pudesses estar aqui “ deveria ser um convite para essa personagem, para esse outro lado do eu mesmo, aquele ser com que só conseguimos falar quando nos esvaziamos de todos os outros, de todas as personagens que nos cercam.

Por vezes… faz falta deixar de viver a vida dos outros.

Acercou-se do “escorrega”. A madeira ressequida pelo sol tornara-se áspera, a plataforma cor-de-laranja por onde as crianças desciam estaria até necessitada de algum tipo de produto, para evitar fissuras.

Subiu os estreitos degraus e sentou-se na rampa de partida, como se ainda tivesse dez anos.

Há muito, muito tempo… que não descia por um escorrega.

A voz interior que naquele dia teimava em se fazer ouvir sussurrou-lhe aos ouvidos:

- A vida é feita destes pequenos momentos, acredita… deixa-te ir…

Olhou em redor.

O automóvel continuava testemunha, as portas abertas.

Os pássaros continuavam imperturbáveis os seus voos, o vento não cessara de agitar as pétalas dos malmequeres.

Sim… na verdade, a vida era feita daqueles pequenos momentos.

Empurrou-se a si mesmo até ao extremo da plataforma… e voltou a ter dez anos, num qualquer parque de brincadeiras…