quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O lado de cá...


Cecília… Cecília era linda, rosto esguio e olhos cor de mel, um sorriso sereno. Madalena era ardor, fogo e paixão, uns lábios carnudos e peitos generosos, mal disfarçados sob as roupas leves de verão. Luísa era o andar, aquele movimento perpétuo de ondular as ancas como ondas do mar. Mas Bruna… Bruna era a garota de Ipanema, de pele dourada caminhando descalça na areia, Camila era o toque dos dedos, Joana era a voz, a voz mais sensual que já ouvira em toda a sua vida.

E no meio de todas… Júlia.

Júlia escrevia como ninguém, linhas soltas como poemas, descrevendo o mundo com aguarelas límpidas e pessoas felizes.

Mas fora Vanessa… simplesmente Vanessa que o levara ao paraíso dos sentidos, ao prazer absoluto, ao devaneio do corpo, ao delírio.

Ângela era suave, doce, um manto de carinho sobre as feridas e um unguento para a alma. Maria era a força, a vontade vibrante, o oásis de energia inesgotável onde ele bebia a inspiração.

Teresa era…

Colocou o último pedaço colorido sobre o fundo negro, aplicou pressão e depois sentou-se de novo, a observar a obra terminada.

À distância, as dezenas de minúsculas fotografias de rostos, dispostas cuidadosamente sobre o fundo negro… compunham uma imagem maior, um rosto andrógino e sem mácula, fitando-o na alma.

Aquela era a sua alma gémea, tinha a certeza.

Reunira numa única imagem os milhares de pequenas características que procurara avidamente encontrar numa mulher, ao longo de toda a sua vida; a inteligência, o sentido de humor, a poesia, o carinho e a ternura, o ardor e a paixão, a beleza física…

A sua alma gémea não apresentava defeitos, era simplesmente… perfeita, mistura divina do que de melhor ele imaginava cada uma daquelas mulheres possuir.

Não, não as conhecia a todas, claro. Não pessoalmente.

Mas escrevia-lhes todos os dias, recebia comentários todos os dias, alegrava-se e entristecia-se com as alegrias e tristezas que lia.

Quando encontrasse a sua alma gémea… - só de pensar nisso, estremecia de prazer. Quando seria? Sempre que clicava num novo contacto… sentia que estava mais próximo, talvez fosse aquela… a verdadeira, a única… a tal pessoa com todas as características que ele coleccionara ao longo da vida como desejos, como estrelas cadentes…

Um bip-bip no computador fê-lo sorrir.

Alguém desejava conhecê-lo.

Foi espreitar a fotografia.

Sim, claro… porque não? Clicou “Sim” e foi a correr espreitar o perfil.

- Neloooo…. Neloooo….

Reconheceu de imediato a voz.

À janela entreaberta da sala - paredes meias com a rua – desenhou-se o perfil de Tânia, a ruiva esquiva do fundo da rua.

- Nelooo… - gritou de novo – queres vir connosco ao bowling?

Ele desligou de imediato o ecran do computador.

- Não… não me apetece…

Ela debruçou-se à janela, afastando as cortinas com as mãos.

- Vá lá, não sejas um chato… vamos beber uns copos, atirar as bolas… deixa lá essa coisa da Internet por um pedaço…

- Não posso… não posso mesmo… estou a acabar um trabalho, é urgente….

Ainda lhe lançou um ar de constrangimento, mas sem grandes efeitos. Tânia até era uma miúda simpática… e sempre gostara dele, sabia-o bem… mas… como dizer… faltava-lhe sofisticação… pelo menos, se comparada com quase todos aqueles rostos com quem se correspondia diariamente.

- Nelooo… deixa isso, ora bolas… até parece que o mundo real está aí dentro desse caixote…. Vá, anda beber uns copos… eu faço equipa contigo no jogo, queres?

Ele queria… mas não o suficiente.

- Eu depois… talvez passe por lá… a sério… eu depois… mas primeiro tenho que acabar isto…

Ela já não ouviu as últimas palavras, correndo rua fora ao encontro do resto do grupo.

Nelo ligou de novo o ecran. O olhar nervoso devorou impaciente a meia dúzia de linhas escritas a negro, ao lado da fotografia.

O perfil?

O que dizia o perfil?

Quantos anos? Só?

Pela fotografia, era capaz de arriscar que teria …

Ah… gosta de poesia… óptimo, óptimo…

8 comentários:

  1. Engraçado, costumam dizer que a minha voz é sensual... :P
    Gostei da história. Muito real.
    Beijinhos

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  2. Sua criatividade me toca , eu gosto pra caramba!rs
    hoje vi um filme grego - "A vida" e me pego agora lembrando de uma frase que traduz bem o que sinto:
    em alguns momentos "a alma da gente se abre como mexilhões no vapor ..." sua escrita tem esse poder mexer com nossa alma.
    mulheres, rostos indefinidos, mensagens , perfis,
    seremos mesmo capazes de imaginar que dentre esses rostinhos tem alguem que encaixa ? rsrs
    sou cética quanto a rostinhos e perfis.
    mas gosto de poesia Rolando ... rsrs
    ótimo ótimo !!
    um abraço grande

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  3. Perfis podem ser muito enganadores sempre.Adorei ler e também a montagem da imagem. abração,chica

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  4. Olá Joana,
    Veio esta história a propósito de recordar que há pessoas que nem sempre distinguem a realidade da ficção...

    Beijos

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  5. Os sonhadores têm mesmo que ter o cuidado de verificar sempre se é sonho ou realidade :-)) !!

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  6. BOA TARDE ROLANDO...,
    AQUI CHOVE IMENSO, E O VENTO É TERRÍVEL, NADA COMO ABRIR O PC CHEGAR AQUI Á FOGUEIRA,TOMAR UM CAFÉZINHO, DEPOIS DE JÁ TER PASSADO POR"ENTREARTES" E HOJE DESVIEI ALGUMA COISITA DO "ARTES...," KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK


    AGORA, VOU ATÉ Á MUSICA ,FOTOS, E POR FIM CINEMA, TARDE MUITO MOVIMENTADA,DAQUI DO MEU CANTINHO SEM APANHAR CHUVA E VENTO!

    BJS.

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  7. Amigo Rolando,

    Desse lado de cá também sonhamos... Mas, um sonho real!

    Um dia, ao ler um tema proposto pela Tertúlia Virtual eu embarquei numa viagem pelo mundo da arte, da beleza, da emoção... Aí, não teve jeito: foi amor à primeira leitura!

    Não importava os músculos, a cor, a idade, o som daquela voz. Eu queria aquela alma! E, por ela eu me apaixonei... Irremediavelmente!

    Por isso, hoje, do lado de cá, beijo-te as mãos e a alma em sinal de respeito e admiração.

    Vida longa a esse amor eterno, posto que não é chama, e que se alimenta na fonte do teu saber e da delicadeza das tuas palavras. Obrigada, por mais um texto pleno de poesia e beleza.

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