sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Diana

( Desenho do Carlos, da escola EB1 da Moita )


- Pai, pai, pai… - e correu para ele, os braços bem esticados, a mochila da escola a desequilibrar-lhe os passos.

- Não corras… olha que ainda cais…

O pai aguentou o embate e ergueu-a no ar, como sempre fazia quando a ia esperar à saída da escola.

- Estás linda, filhota… muito, muito, muito linda… foste tu que fizeste a trança no cabelo?

Ela abanou a cabeça.

- Não, desta vez foi a mãe, ela diz sempre que as minhas tranças ficam muito tortas… mas não ficam, pois não? Eu sei fazer tranças…

- Claro que sabes, filhota… tu sabes fazer tudo… e porque vens hoje toda corada? Estiveram mais tempo no recreio que o habitual?

Diana, bem empertigada nos seus dez anitos, apontou-lhe o dedo directo ao nariz.

- Oh, pai… hoje foi dia de fazer cartões, lembras-te? Eu já te tinha dito.

- Cartões?

O pai ainda tentou vislumbrar alguma data festiva… mas Fevereiro não era mês de aniversários, pelo menos da família ou amigos mais chegados.

- Não… não me estou a lembrar de nenhuns cartões… e para que são?

A Diana torceu o nariz.

- Para o dia dos namorados, é claro… estivemos todos a fazer cartões para entregar no dia dos namorados.

- Ahhh… muito bem… pois, tens razão, já nem me lembrava… olha, dá cá a mochila e senta-te bem… aperta o cinto…

Sentou-se ao volante, a filha no banco traseiro, do lado oposto.

- Hoje posso jantar contigo em tua casa?

- Claro que podes, filhota… podes sempre. Só tens que avisar a mãe, pode ela ter outros planos… e agora conta-me lá sobre esses cartões que fizeram… como era o teu?

- Cor de rosa e branco… desenhei uma flor com muitas pétalas… e depois escrevi as letras do nome dele em cada uma das pétalas…

- Que bela ideia… uma flor com nome… e que flor era? Uma rosa? Uma tulipa? De que cor?

- Oh, pai… era um malmequer… é mais fácil escrever nas pétalas de um malmequer, não sabias? Nunca fizeste um cartão de namorados?

Nem sempre as perguntas das crianças eram fáceis de responder; as de Diana, habitualmente, requeriam uma certa dose de engenho e criatividade na resposta.

- Sabes filhota… - lá se ouviu a responder - na verdade nunca escrevi letras nas pétalas de um malmequer… e tenho pena, porque teria sido uma excelente ideia…

Ela riu, excitada. Ainda não contara tudo.

- E sabes o que eu escrevi no cartão que a professora nos deu? Escrevi assim… “ Miguel, eu gosto muito de ti, tens olhos bonitos e és muito simpático”

O pai tentou manter a compostura, lançando-lhe um olhar ternurento.

- Que lindo, filhota… e quem é o Miguel? O teu namorado?

- Não é bem… o Miguel é aquele menino que veio de fora…

- Ah… mudou-se para cá há pouco tempo? Eu conheço os pais?

- Não… não deves conhecer… ele é baixinho… tem óculos… e tem um problema na fala…

Foi a vez do pai franzir a testa.

- Um problema na fala? Como assim?

- Pois… ele troca as letras, sabes? Em vez de dizer “melro”… ele diz “merlo”…

- Hum… coitado, isso é um problema… e a professora, ajuda-o nos trabalhos?

- Claro… ele tem uma professora auxiliar só para ele… e tem aulas especiais, ele às vezes conta-nos…

- Muito bem, filhota… e então? Ele é teu amigo? Brincam juntos?

Diana exultava.

- Ele fez um cartão para mim… e não se enganou nas letras, nem nada. E fez um desenho, também… queres ver, pai?

E sem esperar pela resposta, lá desdobrou o pequeno cartão, lendo:

“ És o meu amor. Amo-te”… e desenhou um coração com uma seta.

O pai estacionou o automóvel e lá pode enfim virar-se para trás.

- Muito bonito, filhota… fico muito contente… só estava a pensar nisso que disseste dele ter esse problema na fala…

- É verdade, pai… e sabes o que ele me disse, hoje no recreio?

O pai deixou-se rir.

- Pois… não… nem imagino o que tenha sido… conta lá…

- Ele disse que eu sou “ A menor e a mais ninda do lundo”…

O pai tentou descodificar – ainda trocou mentalmente algumas letras de posição, anagramas, mas a pequena Diana nem lhe deu tempo para terminar.

- Ele disse que eu sou a melhor e a mais linda do mundo… oh, pai… ele é tão querido…

O pai abanou a cabeça, embevecido.

Que importância teria uma criança de dez anos sentir-se infantilmente apaixonada? Nenhuma, era algo de banal, deliciosamente banal. Diana era inteligente, despegada das coisas, pacífica. Ultrapassara o divórcio dos pais reivindicando para si o privilégio de ter duas casas, duas famílias, duas camas, dois animais de estimação. Não era a mais popular da turma, nem a mais vistosa, tão pouco a mais alta; era simplesmente aquela a quem os rapazes mais velhos procuravam para pedir informações sobre as amigas, aquela a quem a professora pedia para escrever redacções sobre o dia-a-dia na escola, aquela a quem as amigas confiavam os pequenos segredos.

A Diana era só aquela que conseguia ver encanto num rapazinho baixinho, de óculos e com problemas na fala.

Ela continuava sorridente, o papel com um coração desenhado a bailar-lhe nas mãos.

- Oh filhota… - lá foi o pai dizendo, após uma longa pausa – sabes o que eu te digo, sabes? Para mim… tu também és… e serás sempre… a “ menor e a mais ninda do lundo”…

16 comentários:

  1. Que coisa mais linda, doce e emocionante,Rolando!

    Um amor!
    A coisa mais ninda do lundo!!!abração,chica

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  2. Rolando
    Precisamos de mais pessoas como esta doce criança!

    Que história deliciosamente contada. Consegui enxergar as expressões das personagens com tanta clareza... Parabéns por mais este texto!

    beijos
    Anne

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  3. Super ternurento e cheio de conteúdo..o dia dos namorados é para mim, sobretudo, um dia dos afectos e das ternuras e esta história é uma delas :-) beijinho. P.S. numa frase só, Diana era doce, muito doce!

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  4. Linda e ternurenta esta história. :)

    Beijinhos e bom fim-de-semana

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  5. Chica, a Diana existe ( claro ) e é um doce de criança...

    Um beijo, tudo de bom para ti,

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  6. Anne,
    Verdade... se todos conseguíssemos ultrapassar pequenos pormenores... como as crianças fazem com a maior das facilidades...

    Beijos, um óptimo fim de semana para ti

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  7. Olá Nenufar

    Sim, um dia de afectos e de ternuras, gosto muito dessa definição.

    Tudo de bom para ti,beijos.

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  8. Joana,

    Um excelente fim de semana para ti também,
    Beijos

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  9. que bom que passei por cá...que lindo! =)

    Blair

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  10. _____________________________________________


    Para o pai, a filha será sempre a pequenina...Quem dera, todos os pais dessem importância para um desenho ou alguns versinhos ingênuos saidos do coração...

    Li e gostei muito!

    Beijos de luz e o meu carinho...


    Zélia

    _________________________________________

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  11. Rolando,

    Diana é filha do amor, da sensibilidade e do olhar poético que se fez carne e habita entre nós. Ela traz em seu DNA a marca indelével da doçura que vemos em tuas palavras. Que bom que ela existe! O mundo agradece. Bjs

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  12. Rolando querido

    A inocência é flor que se destaca no jardim... cultivá-la é nosso dever!


    Bj enollllme

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  13. É através destes pequenos grandes gestos que os adultos deviam fixar os olhos.
    Aqui a pureza, a simplicidade, o amor genuíno, a partilha, os sorrisos, a alegria, de amar sem preconceitos.

    Beijos
    Manu

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  14. Lindo texto, o amor de Diana e Miguel demonstra que amar é intemporal, por todo o Tempo podemos sentir o Amor como sentimento que nos adoça a Alma :))

    Abraço ^^

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  15. :) Gostei muito desta estória de amor...envolta em laços de ternura.
    brsas doces para s*

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