“ Para a mais bela das rosas “
Nem mais uma palavra, nem assinatura.
Nem um remetente, tão pouco um destinatário.
Simplesmente o papel dobrado de fresco, a caligrafia fina e.. aquela rosa, uma rosa vermelha como nunca havia visto igual.
- Alice… Marta… - gritou – venham ver… venham ver…
As irmãs acorreram ao pátio, onde Leonor – a mais nova das três – pegava cuidadosamente na estranha oferta que alguém deixara na soleira da porta.
- Uma flor… - repetiram em uníssono.
Por um segundo, assaltou-lhes o mesmo pensamento.
- Para quem é? – quis logo saber Marta, a mais velha das três.
- Quem ofereceu ? – contrapôs Alice.
Leonor abanou a cabeça, sem resposta para nenhuma delas.
- Não sei… o papelinho não dizia nada… - e exibiu o papel dobrado na ponta dos dedos.
Alice, a mais irrequieta das três apanhou-o de pronto, releu-o três vezes, tentando descobrir algo mais do seu remetente.
- Será do Serafim, o filho do padeiro? Eu sei que ele está apaixonadíssimo por mim…
Marta ria.
- Desculpa, minha querida irmã… e porque seria a flor para ti? Eu é que sou a mais velha… e também me oferecem flores…
Leonor, a que encontrara a misteriosa oferta, assistia impávida à querela, segurando numa mão a flor, na outra o papelinho dobrado.
- Também pode ser para mim… - ainda tentou.
As irmãs não ouviram o desabafo. Seria o Serafim? O José, aquele que se instalara recentemente na aldeia, o ruivo? Ou o filho do sacristão, o Manelinho? Oxalá não fosse o Rogério… o chato do Rogério, sempre com aquela brilhantina pegajosa no cabelo…
Mas a rosa… a rosa era linda, ainda um botão a desabrochar, vermelho rubro sem mácula. Ditosa a escolhida, se a paixão de quem oferecera a flor se assemelhasse a tal beleza natural.
As três irmãs, tão próximas na idade, não poderiam ser mais diferentes entre si – na personalidade, nos gostos, nas preferências, até no modo de vestir e andar. Marta, a mais velha era a face de Vénus, rosto perfeito e olhos verdes esfusiantes, roliça de corpo e desembaraçada no andar. Nos bailes da aldeia era sempre a rainha da festa, a primeira a ser escolhida para dançar. Era bela, extraordinariamente bela… e sabia-o.
Alice - um ano mais nova – era loura e de olhos azuis, pele branca e lábios finos, uma deusa nórdica nascida entre paisagens do sul. Não era só Serafim - o músico - que se encantara com tamanha beleza. Josué, o professor de pintura dedicara-lhe um quadro, qual ninfa entre as águas, descansando nas margens do rio.
Mas Alice era – sempre fora – a arrelia da pacífica aldeia, irrequieta e de temperamento explosivo. Não caminhava… corria. Não sabia falar baixo… e discussão em que participasse… teria sempre que terminar com a sua opinião… em último lugar.
Leonor, a mais nova das três, resultara numa mistura temperada; morena e de olhos negros, delgada de figura e atraente de perfil. Vestia como uma cigana, roupas largas e lenços coloridos, que faziam as delícias dos rapazes, com quem competia de igual para igual nas travessuras da escola. Carregava permanentemente um livro – ou dois – que por mais que uma vez já arremessara com delicada pontaria à cabeça de um pretendente mais atrevido.
Posto isto, quando no dia seguinte surgiu uma segunda rosa – amarela – na soleira da porta, acompanhada de um bilhetinho, Leonor – sempre a primeira a ouvir a sineta – não teve pejo em gritar:
- Meninas… o vosso pretendente deixou novo recado…
E mais uma vez Marta e Alice se precipitaram sobre a irmã mais nova, debatendo-se para lhe retirar o papelinho dobrado de entre os dedos.
“ Queres ir passear amanhã até ao lago da floresta? “
Assinado : R
- Oh, não… será o Rogério? Por favor, que não seja o Rogério… - suplicava Marta, retorcendo os dedos – todos menos o Rogério, por favor…
- Creio que o Serafim também tem Raul no nome… pode ser o Serafim… - e Alice continuava firme naquela suspeita.
Leonor já esquecera o papel, entregando-se à contemplação da rosa amarela; aliás, acomodara cuidadosamente a rosa vermelha numa jarra, com água e atenções. Não se lembrava de ver rosas tão perfeitas como aquelas, em nenhum dos canteiros da aldeia. De onde teria o misterioso pretendente colhido tão belas flores?
Marta lá ia enumerando o rol de possibilidades, perante o olhar de descrença das irmãs.
- Raul, Rogério, Ricardo, Rafael, Ramiro, Roberto, Rudolfo…
- Parem com isso… - e Leonor esbracejava, perdida de riso – vocês parecem duas baratas tontas, à procura de uma guloseima.
As irmãs interromperam o ritual por um segundo, enquanto Alice espetava o dedo na direcção da irmã mais nova.
- Leonor pela verdura… não te intrometas, ainda és muito nova para estas coisas…
A irmã mais nova corou de incontida raiva. Oh como ela detestava aquela comparação do Camões, a eterna estrofe do “ Leonor pela verdura, vai formosa e não segura “. Já respondera à letra – e por mais que uma vez – aos rapazes menos inspirados, sempre que se descaíam com aquele tão pouco original galanteio.
Optou portanto por lhes voltar costas e correr escadas acima, em direcção ao quarto.
Fosse como fosse, o dia seguinte afigurava-se prazenteiro e dado a surpresas.
E assim, no dia seguinte…
Como há muito não sucedia, o toque da sineta da porta foi ouvido pelas três irmãs.
Sem surpresa, Leonor foi ultrapassada em corrida ao descer as escadas, Alice precipitava-se para a porta, com Marta na peugada.
Aparentando a maior das naturalidades, foi Alice que conseguiu abrir a porta.
- Olá…
A figura do outro lado levou a mão ao boné, segurando desajeitadamente uma rosa branca entre os braços.
- R… Romeu? – e Alice sorria.
Romeu, o filho do pastor, devolveu-lhe o sorriso.
- Olá, Alice… como estás?
- Olá Romeu… estás muito bem, ficas muito bem assim… - gaguejou ela
Ele suspeitou dos pensamentos que lhe iam na alma e foi logo avançando.
- Obrigado, Alice… tu também estás muito bem… e diz-me… ela está aí?
Alice abriu os olhos, pronta para a surpresa. Pois então Marta nem lhe dissera nada? Sabendo já antecipadamente, deixara-a enumerar todos os “R” deste mundo… ora, ora…
- Marta… - e ergueu a voz, fingindo que a irmã não se encontrava escondida bem atrás de si – está aqui o Romeu… e trás uma flor para ti…
Foi a vez do filho do pastor a interromper, aflito.
- Marta? Não, não… eu vim ver a Leonor… a Leonor… ela não recebeu os meus recados?
As duas irmãs mais velhas trocaram um olhar de desentendimento.
Leonor, parada a meio das escadas, corou.
Sim, claro que conhecia Romeu.
No baile da primavera, ele sentara-se ao lado delas, até cirandara Alice, dançara com ela, trouxera uns amigos, contaram anedotas. Lembrava-se de ter trocado algumas palavras com ele, não mais que algumas palavras. E agora… ali estava ele, de rosa branca na mão, a convidá-la para sair?
Olhou para ele.
Romeu, o filho do pastor, ocupava a soleira da porta em contra luz, mal lhe reconhecia as feições.
Desceu as escadas e acercou-se da porta, as irmãs com um mal disfarçado sorriso ao canto dos lábios.
- Olá, Romeu…
Ele esticou o braço, a rosa branca na ponta dos dedos.
Uma rosa e um convite.
Ele parecia estar a dizer-lhe “ Vens? “
E ela – sabe-se lá porquê – mesmo sem ouvir a pergunta, lá se ouviu a murmurar:
- Vou, sim…
O amor quando nasce é para todos e felizmente não se rege por regras ou idades...
ResponderEliminarbelo texto Rolando, gostei.
Jorge
O que uma flor rosa faz ao ser dada com sinceridade, sem dúvida que abre as portas para se espreitarem os corações :)
ResponderEliminarParabéns pelo texto, faz sonhar ^^
Abraço
Rolando,
ResponderEliminarQue lindo conto.
Como você mesmo disse: Cativar... e ser cativado.
Poderá existir melhor paraíso?
Amigo, admiro a boa escrita.
E isto você sabe fazer!
Parabéns. Seu trabalho é muito bonito.
Um abraço,
Gislene.
A vida por vezes contraria as nossas expectativas e nem sempre o mais provável acontece...é afinal o que ela tem de belo...surpreende-nos constantemente.
ResponderEliminarBeijos
Manu
Pois, eu li o título e pensei, será que é desta, será que finalmente haverá um conto (além de no Livro Os Mais Belos Contos de Fadas, das Selecções do Reader's Digest, o incrível "Um olhinho, dois olhinhos, três olhinhos") no qual não será a mais nova a heroína?
ResponderEliminarGostei do conto, mas ficaria muito, muito melhor, se a heroína fosse a segunda e muito mais original também (e claro que esta afirmação não tem absolutamente nada a ver com o facto de eu ter duas irmãs e ser a do meio)
Gostei meu amigo!
ResponderEliminarAlgumas pessoas de fato sabem olhar além daquilo que fica exposto diante dos olhos, muito mais profundamente!
Parabéns por tão belo conto! Ficção, não é? Ou o Romeu tinha um segundo nome também com R, Rolando quem sabe! ;)
Estou a brincar meu amigo, sei que sabes, mas a propósito, o seu nome me é muito familiar, leu A Torre Negra, de Stephen King, existe um protagonista lá com um nome tal o seu, com "D" mudo!
Abraços renovados!
ROLANDO...,
ResponderEliminarPALAVRAS PARA QUÊ...AMEI
:-)
BJS.
Tens um selo na minha janela ;)
ResponderEliminarBeijinhos
parabéns pelo texto..
ResponderEliminarviajei com suas palavras..
bjs.Sol
...traigo
ResponderEliminarsangre
de
la
tarde
herida
en
la
mano
y
una
vela
de
mi
corazón
para
invitarte
y
darte
este
alma
que
viene
para
compartir
contigo
tu
bello
blog
con
un
ramillete
de
oro
y
claveles
dentro...
desde mis
HORAS ROTAS
Y AULA DE PAZ
COMPARTIENDO ILUSION
ROLANDO
CON saludos de la luna al
reflejarse en el mar de la
poesía...
ESPERO SEAN DE VUESTRO AGRADO EL POST POETIZADO DE CHAPLIN MONOCULO NOMBRE DE LA ROSA, ALBATROS GLADIATOR, ACEBO CUMBRES BORRASCOSAS, ENEMIGO A LAS PUERTAS, CACHORRO, FANTASMA DE LA OPERA, BLADE RUUNER ,CHOCOLATE Y CREPUSCULO 1 Y2.
José
Ramón...
Me fez lembrar uma canção que diz mais ou menos assim:
ResponderEliminar" toda mulher gosta de rosas
E rosas e rosas
Acompanhadas de um bilhete
Me deixam nervosa.."
taí a razão de toda a confusão entre as irmãs.
Até eu ia querer por perto esse galanteador rsrs
e com essa frase entao meu deus rsrs
Rolando , difícil nao me declarar de novo que sou sua leitora fervorosa fã de carteirinha e gosto demais de rosas e bilhetes sem assinatura rs
todos os abraços que puder ter nesse final de semana incluindo o meu
Ah, amigos... é verdade, por vezes, as flores são silenciosas testemunhas de tanta coisa...
ResponderEliminarUm grande abraço para todos vocês,
Amigo Rolando,
ResponderEliminarO perfume das rosas chegou até aqui. E, as palavras? Ah, as palavras! Elas sempre nos fazem sonhar... Bjs
Oh que historia tão doce e bonita. Um história que faz um coração sonhar...
ResponderEliminar:)