- Não… definitivamente não me apetece…
E com este pensamento peremptório, o sol decidiu não se erguer no firmamento.
Puxou os lençóis um pouco mais para cima e contemplou a Via Láctea, família anónima da qual conhecia poucos primos. Todos eles residiam bem longe, orbitando outras estrelas, alheios à sua própria existência.
A grande nuvem de Magalhães, grupo de estrelas para onde se dirigia, permanecia estática no negrume da noite.
Pensamento curioso aquele, o de ele próprio ser Sol, fonte de vida e de luz, imerso na escuridão da noite, contemplando a Via Láctea… a sua família.
Uma estrela cadente rasgou os céus, polvilhando o vazio de pirilampos mágicos.
Sim, sem dúvida… a noite tinha uma magia especial.
Ajeitou-se melhor e deixou que os pensamentos flutuassem.
- Não te levantas? Eu já estou de partida…
O Sol lançou-lhe um olhar preguiçoso. A Lua arrumava as suas coisas – como conseguia ela guardar tantas e tão pequenas coisas dentro daquela maleta era um mistério insondável – e aprestava-se ao descanso.
- Não… não me apetece… creio que vou ficar aqui mesmo…o universo nem há-de sentir a minha falta, tenho a certeza…
- Mas o que te deu? É claro que vão sentir a tua falta… e despacha-te, é quase hora de amanhecer…
O Sol optou por fechar os olhos, numa fingida sonolência.
A Lua acercou-se um pouco mais, pousou a maleta de cosméticos e beijou-o suavemente na testa.
- Sol…
Ele manteve-se de olhos fechados.
- Sol… estou vendo lá ao fundo… bem longe… um campo de flores… girassóis, creio… estou todos impacientes, à tua espera…
O Sol, qual menino mal comportado, ainda tentou ripostar, a preguiça sem argumentos.
- Mas Lua… é sempre a mesma coisa, todos os dias… levantar, iluminar, deitar…. Levantar, iluminar, deitar… tu não te cansas? Eu estou tão cansado… é tão monótono…
A Lua piscou os olhos, naquele jeito meigo que só ela conseguia fazer.
- Oh… meu pequenino… claro que não é monótono… bem pelo contrário, é lindo…todos os dias e todas as noites acontece algo de único…. De irrepetível…
- Isso dizes tu… tu és a Lua… e julgas que eu não sei? Todas essas coisas bonitas, românticas… só acontecem á noite… eu nunca presencio nada de especial nem único…
A Lua apontou para um ponto no espaço bem distante.
- Olha… ali mesmo… lá ao fundo… consegues ver? – e apontava para uma queda de água, emoldurada entre montanhas.
O Sol espreitou… e ao espreitar consentiu que um tímido raio embatesse nas águas… formando de imediato um arco-iris.
- Vês? – e a Lua sorria, embevecida com o seu próprio estratagema – ora então diz-me lá, ó Sol… quem mais no universo senão tu… consegue criar um arco-iris?
O Sol sorriu, a alma infantil pejada de orgulho.
E sem querer, mais raios se soltaram do seu corpo, num amanhecer radioso e colorido.
A Lua passou-lhe a mão pelos cabelos em desalinho, puxou-lhe a coberta.
- Vá… levanta-te… que já estás atrasado… e eu também. Vemo-nos logo à noite?
Ele acenou que sim.
- Sim… por favor… vem cedo…
Ela viria, sim.
Naquela noite, como lua cheia. Bela e esplendorosa, rainha da noite.
- Virei sim… e agora, meu criador de arco-iris...vai…. Brilha… és único… vai fazer aquilo que só tu sabes fazer…. dar vida…
Amigo Rolando,
ResponderEliminarVida longa para essa mente fértil e imaginativa que a cada dia nos brinda com textos tão primorosos.
Com eles nós também viajamos... E o bom dessa viagem é a possibilidade de saber discernir entre o real e a fantasia...
Entre o escritor e o leitor atento há uma cumplicidade que dispensa as entrelinhas. Tudo é compreendido! Questão de sensibilidade!
Você é tão bom nisso! Parabéns!
Que lindo Rolando!
ResponderEliminarSomente você para criar uma história tão encantadora.
Parabéns pelo seu talento.
E fiquei aqui pensando... No Irmão Sol e na Irmã Lua.
Que benção, que esplendor, é tudo isto que nos cerca.
Um abraço,
da amiga,
Gislene.
Beautiful image! Thanks for sharing!
ResponderEliminarMaravilhoso texto! Carregado de doçura e ternura, quando eu crescer quero ser como a Lua para mimar o Sol :-) bjs
ResponderEliminarA fantasia por aqui ganhou vida, tem beleza e cor sem fim.
ResponderEliminarBoa noite
Ah amigo
ResponderEliminarAgora percebo porque teima em se manter este tempo cinzento!
Se puderes dá aí mais uma forcinha ao Sol, diz-lhe que precisamos do seu calor e da energia que nos deixa quando brilha.
Ele que não pense em nos deixar, está bem?
Beijos
Manu
Rolando meu amigo
ResponderEliminarTudo tão simples não é ?
A Vida é assim simplezinha ora o Sol , ora a Lua e todo o firmamento a nos gratificar sem cobrança alguma !!
Lindo texto
abraço carinhoso
Lilian
Se prestarmos atenção aos pequenos pormenores nada é monotono.
ResponderEliminarGostei muito do texto.
Beijinhos
Sol e Lua, dia e noite, Homem e Mulher... e porque tudo se complementa e completa...
ResponderEliminarObrigado, amigos.
Olá Rolando, havia lido esta história que me soou a uma bela lenda e por "portas e travessas" ainda não a tinha comentado, aqui volto para dizer que gostei muito, aliás qualquer conto ou narrativa que tenha o divino toque de mito ou lenda, te digo que sou confesso fã :))
ResponderEliminarDesejando um óptimo fim de semana, abraço amigo ^_^