- Pronto… está confirmado. Agora… quem vai dar a noticia?
Trocaram um olhar aflito.
- Bem… você é o mais velho, mais responsável. Talvez…
- Eu? Você está louco? Eu só recebi a mensagem, não tenho nada a ver com o assunto. Nem é o meu departamento…
- Meu também não…
- Nem meu…
Os três lançaram um olhar para o colega, ainda segurando um pequeno pedaço de papel na mão.
- Eu? – gaguejou o visado – não estão a olhar para mim, pois não?
- Claro que estamos – e o mais velho espetou-lhe o dedo no peito – foi você que fez os testes… você é que descobriu que estava seco… portanto, é você que irá dar a notícia que o poço secou…
O pequeno neurónio estremeceu, a cauda brilhante subitamente pálida. Dar a notícia? Ao mestre? Ao criador? Era mais fácil alguém pedir que se atirasse do alto de uma torre.
- Escutem… vá lá, sejam razoáveis… eu ainda sou muito novo… porque não você? Não é o seu departamento que trata destas coisas dos sonhos, desejos e tudo o mais?
O outro neurónio – o que aparentava ser o mais velho – abanava a cabeça.
- Nem sonhe… você é o responsável do poço… e mais ninguém. Portanto, se quer um conselho… despache-se, antes que seja tarde… quanto mais tarde receber a notícia, mais irritado o mestre ficará…
O pequeno neurónio mudou de cor três vezes. Mal se apercebeu dos empurrões, escada abaixo, os olhares de compaixão dos colegas, até um adeus disfarçado de alguém que lhe abria a derradeira porta. Provavelmente, não voltaria a ser visto – era essa a sensação que lhe transpirava dos poros.
- Mestre…
No centro da grande sala, o mestre fitava-o – rosto impenetrável, expressão fechada.
- Diga, neurónio nº 375. Qual o seu departamento? Apresente relatório.
O pequeno neurónio engoliu em seco.
- Mestre… departamento da imaginação… responsável pelo poço… venho entregar os resultados dos últimos testes…
- Ah, muito bem, muito bem… o nosso amo já me tinha perguntado por eles, estão sempre a fazer falta… você não sabe que ele está a meio de uma obra, muito… mas mesmo muito importante? E então… os resultados?
O neurónio 375 baixou os olhos, esticou a mão e pousou o relatório sobre a mesa.
- Bem… sabe… os resultados …. Não são … isto é… o poço talvez não…
O mestre, capataz absoluto de todas as tarefas do primeiro piso do cérebro, não tinha tempo a perder, muito menos paciência para aquele gaguejar trémulo.
- Neurónio nº 375… - gritou, as paredes estremecendo – os resultados?
- O poço, senhor… o poço secou…
O mestre ergueu-se, sentou-se de novo, ergueu-se novamente. Os olhos chispavam pânico, adornado de uma fúria impotente.
- O poço… o sagrado poço da imaginação… secou?
O neurónio nº 375 acenou que sim. Desejava ardentemente que o chão se abrisse e o devorasse.
Não foi necessário esperar muito para que o seu desejo se concretizasse.
- Pode retirar-se, neurónio nº 375. Será em breve desactivado, a sua colaboração já não é mais necessária…
O pobre mensageiro arrastou-se para o exterior da grande câmara, deixando o mestre, capataz do cérebro, entregue às suas próprias cogitações.
E agora?
Como dizer – e de que forma – ao consciente… que o sagrado poço da imaginação secara?
Como fora possível tal acontecer?
Sabia que o seu amo se encontrava a meio de uma tarefa importante, muito importante… a escrita de um livro.
E agora?
Lentamente, dirigiu-se à porta que dava acesso ao segundo piso do cérebro, onde se distribuíam os vários departamentos ligados à consciência.
Como dar a notícia?
“ O sagrado poço da imaginação secou… “
Aproveitou os passos ao longo do comprido corredor para ensaiar a melhor entoação.
Suspeitava que o supervisor da consciência iria ficar irritado, mesmo bastante irritado. E que – em sentido literal – rolariam algumas cabeças, por tão nefasta noticia.
Passou a mão pelo pescoço, antevendo o pior, enquanto ia repetindo maquinalmente:
“ Venho informá-lo que, pelas últimas análises efectuadas, somos obrigados a concluir que o poço… “
Tanta coisa a secar, ROLANDO...
ResponderEliminarA IMAGINAÇÃO a si, felizmente, continua a brotar.
Um abraço.
Podemos fazer contra-análise?
ResponderEliminarDizem que errar é humano.
Com toda a certeza é alarme infundado.
E...
Se o 375 secou, os outros trabalharão em dobro para compensar a perda.