domingo, 3 de abril de 2011

Como lágrimas à chuva


Invisível… como uma lágrima à chuva, rodeada de gotas de água.

Assim se sentia.

Deve existir uma razão, um propósito para tudo isto… qual o sentido de continuar vivo… se não entender o porquê? – pensou.

Mais um dia findava, o sol desaparecendo sob nuvens distantes, o mar estranhamente silencioso.

- Respostas, preciso de respostas… onde errei? Onde errei?

Silêncio. Simplesmente o silêncio; sem respostas… nem vozes, nem ruído de passos, tão pouco mensagens em garrafas pela maré baixa.

Olhou em redor; coqueiros… um paraíso verde a perder de vista, areia imaculada, riachos cristalinos brotando das rochas e desaguando num mar turquesa. A felicidade – se cenário idílico de um filme – seria pintada com aquelas cores, certamente.

Mas… quanto tempo se passara entretanto? Um ano? Dois anos? Quando decidira abandonar tudo… emprego, família, amigos… e isolar-se do mundo numa ilha deserta… acreditara cegamente ter encontrado a solução – tudo quanto lera, quanto ouvira, quanto pensara… parecia apontar-lhe essa direcção… “ ouve a tua voz interior, foge das distracções que te cercam, inventa o teu próprio mundo”…

Não fora precisamente isso que ele tentara fazer?

Sobrevivera como um autêntico náufrago naquela ilha paraíso, meditara, rezara a um deus desconhecido, implorara por respostas…

Mas a solidão não acalmou, as noites não se esvaziaram de pesadelos, tão pouco o olhar se iluminou de descobertas… ou respostas.

Porquê? Porquê? Porquê?

Três anos antes… aquele acidente; brutal, inesperado, injusto, tremendamente injusto. Ceifara-lhe a felicidade, o presente, o futuro. Ela partira. Só isso. Para uma viagem sem regresso. Ele permanecera vivo… sem motivo ou razão. Porquê?

Sentou-se na areia, esperando sem pressa que o mar o visitasse.

Chegara ao seu limite, sabia-o bem.

Porque tudo tem um limite, um ponto a partir do qual… há que saber desistir… deixar ir… e aceitar.

Naquele momento, sentiu ter tocado essa ténue fronteira entre o querer estar vivo e o sentir o supérfluo de estar vivo.

A primeira das ondas da maré que subia tocou-lhe os dedos dos pés.

Sim… um tempo como outro qualquer.

Porque não?

Ergueu-se e dirigiu-se ao mar, o passo sem pressa.

Não sentiu a água; nos pés, nos joelhos, subindo devagar pelo peito, salpicando-lhe o rosto.

Não sentiu quando submergiu, expirando o pouco ar que ainda lhe restava nos pulmões.

Não sentiu nada.

Permaneceu sereno, balouçando com o vaivém das ondas. Abaixo da superfície, reinava o silêncio, um silêncio azul.

Aos poucos, um ardor encheu-lhe o peito, os pulmões vazios suplicando por um pouco de ar, só um pouco de ar. A vista turvou-se, imagens fantasmagóricas rodearam-no de cores garridas. Não viu anjos nem trombetas, túneis de luz, harpas celestiais, mãos estendidas.

Simplesmente… aquele vulto branco… ao longe, como em todos os sonhos, um corpo em sereno descanso, os braços pendentes, os cabelos esvoaçantes.

Chorou.

Inutilmente… mas chorou, o sal das lágrimas engrossando um mar salgado, simplesmente mais uma gota de tristeza num oceano silencioso.

O corpo não lhe obedeceu mais e com um impulso dos pés, irrompeu à superfície, o peito sequioso a devorar ávido o precioso alimento.

Ar… vida…

As lágrimas continuaram a cair-lhe no rosto, disfarçadas entre todas as gotas de água.

E foi então que o desespero lhe brotou da alma, na forma de um grito, que mais ninguém ouviu.

Mas gritou, e gritou, e gritou, até a garganta não conseguir mais emitir um único som.

Gritou, simplesmente.

De medo, de desespero, de querer morrer e de querer viver, de ter que prosseguir viagem sem mapa, sem rumo.

Mas ninguém o ouviu.

O mar, como sempre, acolheu no seu peito mais algumas lágrimas e a maré continuou a encher, mais salgada, sobre a praia deserta.

11 comentários:

  1. Quando chegamos no limite, viramos no contrário e nunca mais se volta ao que se foi.

    Beijinhos

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  2. Há um ponto de não retorno... o limite do sofrimento!
    Um texto asfixiantemente belo.

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  3. E ele poderia ter querido mais viver do que morrer, nadar e conseguir salvar-se.

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  4. Isso..grita...grita...com mais força, até ficares sem voz, faz bem à alma, limpa as cordas vocais, amacia os neurónios, afina os pensamentos..e acordas o pessoal todo...estava a dormir pá!!...
    Diz lá o que queres??...Anda despacha-te...

    XUAC...XUAC...ahahhha..pensavas que te livravas fácil de mim, diz lá a verdade, até pensaste em afogar-me nesse mar gelado e salgado, és mesmo perverso, ah...nem tentes...eu leio teus pensamentos....sabias??...

    Saudadessssss..tuas....

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  5. Uma das mais belas histórias que já li pela mão do Rolando, lia 49 minutos depois de estar publicada e fiquei a pensar nela, não fosse factos da vida real me tirarem desta abstração proporcionada por fantástica ficção em forma de prosa preenchida de sentimento.

    Tens uma "pena" dourada que gratamente partilhas, muitos parabéns :))

    Grande Abraço ^_^

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  6. Rolando meu querido
    Que tristeza é essa?
    Me deixou triste tambem.
    Quero Vida , quero Alegria !!
    Porque ??? essa é uma palavra que depois de maduros não pronunciamos nem questionamos mais ...
    Adoro Voce !!
    bjosss

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  7. lindo texto..apesar de triste..

    bjs.Sol

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  8. Vou-te confessar uma coisa...para além dos textos magníficos que tu escreves, desta feita foi outra coisa que me cativou, nem sei bem porquê...a foto/imagem, para mim deu um toque mesmo especial ao texto :-) bjs

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  9. I choose LOVE. ♥ E tu amigo?
    Vem daí escolher...
    Beijinhos,
    Rita

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  10. Pode-se gritar, desesperar,sentir que nada faz sentido, que não há rumo nem mapa, mas a vida lá fora continua implacável e não se compadece com quem desiste de lutar.
    Por vezes é bom mergulhar nas profundezas do desespero para percebermos a beleza da vida e das coisas boas que ainda tem para nos dar.
    E dos melhores presentes que ela nos dá, são sem dúvida os amigos.

    Beijos
    Manu

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  11. Sem palavras...

    :-)

    BJS. com as cores do Arco-Íris

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