sexta-feira, 18 de março de 2011

O anel


O círculo é a união perfeita… sem um inicio, um meio ou fim. Talvez fosse por isso que os anéis tivessem um simbolismo tão… mágico.

De platina, ouro ou simplesmente prata, como aquele que agora rolava preguiçosamente por entre os dedos.

Fechou os olhos e deixou-se embalar pelo ruído das ondas. À sua frente, um mar imenso espraiava-se sobre areias brancas e conchas brilhantes, a praia deserta de gente e pejada de gaivotas tardias. Um final de dia, mais um final de dia.

O que procurava verdadeiramente?

Porque não existiria um manual da felicidade, com capítulos pormenorizados sobre as vicissitudes da vida, sobre a solidão, sobre o amor e o desamor, sobre a ausência e sobre o modo mais simples de ser simplesmente… feliz?

O anel continuava a rolar sobre os dedos. Brilhante, polido, repleto de sonhos ainda por cumprir.

A curta distância, um casal pedia a um transeunte ocasional – por favor, não se importa de nos tirar uma fotografia?

Sorriu, as memórias bem vivas a aflorar-lhe ao espírito.

Retirou o anel do dedo e entreteve-se a fazê-lo girar como um pião, sobre o muro baixo que separava o passeio marginal do areal da praia.

E o anel girava, girava, girava, como se animado de uma energia insuspeita, capaz de vencer obstáculos e resistir ao tempo…. E continuava a girar…

Nesse momento, algo de inacreditável aconteceu.

Uma gaivota mais afoita desceu em voo picado e num rasgo de inaudita ousadia, acercou-se do paredão, planou uns segundos, encolheu as asas e… apanhou o anel com o bico, em pleno movimento, erguendo-se de novo nos ares.

- Não… o anel não… - gritou ele, entorpecido pelo insólito da situação – o anel não…

Mas era tarde demais. A gaivota bateu as asas e afastou-se num ápice, em círculos cada vez mais largos, sobre o areal.

Ele sentiu um aperto, a garganta a fechar-se sobre si própria.

- Por favor… o anel não… nada mais tenho… o anel não…

Os turistas de ocasião continuaram imperturbáveis as suas vidas, alheios ao pequeno drama que ali se desenrolava. A estância balnear, tão disputada no verão, reduzia-se a uma mera aldeia na estação baixa. As gaivotas misturavam-se com as pessoas, já ninguém estranhava de as ver pousadas no pequeno muro.

- Por favor… eu entendi o recado… por favor… não me leves o anel…

Um silêncio leve caiu sobre a praia, interrompendo o grasnido desordenado dos bandos de gaivotas. Uma delas em particular continuava volteando em círculos sobre o areal, mais e mais círculos, talvez indecisa sobre o rumo a tomar ou o local para pousar.

E foi então que… algo de mais incrível ainda aconteceu.

A gaivota mudou subitamente de rumo e planou em descida suave até ao muro, onde pouco antes pousara.

E desta vez, sem pressa, estranhamente animada de uma intenção… pousou a poucos centímetros, baixou o bico e deixou cair sobre a pedra branca… o anel.

Ainda assim permaneceu largos segundos, como se a tentar transmitir algo de importante, numa linguagem feita de olhares e silêncios. A mensagem era para ele… e só para ele.

Finalmente bateu as asas e levantou voo, desta feita em linha recta, rumo ao oceano.

Existem momentos na vida em que até o respirar pode ser o mais doloroso sentir.

Pegou no anel como um cirurgião seguraria um coração humano.

Não queria explicações.

Não queria perceber.

Durante muito tempo, demasiado tempo… procurara explicações para tudo.

Uma simples gaivota acabara de lhe demonstrar que a vida nem sempre segue o manual.

Mas que por vezes… existem segundas oportunidades… e que acima de tudo, viver é… um acto de fé…

14 comentários:

  1. Fantástico texto que entre algumas, encerra com uma bela lição, a de que todos têm direito a uma 2ª oportunidade.

    As regras até podem serem úteis, mas cá por mim adopto uma frase sábia atribuida a Dalai Lama:
    «aprende e segue as regras, se precisares de as quebrares, age de tal forma que não prejudiques nínguem»

    Abraço e desejo sincero de óptimo fim de semana ^_~

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  2. Uma leitura envolvente com um simbolismo que se reveste de essência e beleza.

    Obrigada

    L.B.

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  3. Uma magnífica lição.
    Gigamos então em frente!

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  4. Concordo totalmente com a tua conclusão.

    Beijinhos e bom fim-de-semana

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  5. Oi Rolando
    Lendo o escritor português Gonçalo Tavares ele fala sobre - "Aceitar que a vida é uma sucessão de desaparecimentos _ humanos e materiais _ é esquecer que cada dia tem uma ressonância".
    Gostei de pensar que essas ressonâncias são as nossas pegadas , não só as que ficaram lá atrás mas uma sucessão delas de todos os dias.
    Um após o outro errando acertando errando de novo.
    E oportunidade de viver outra vez isso temos que agarrar ela passa...
    Obrigada pela metáfora com esse lindo símbolo de amor - até que dure .
    E enquanto durar que seja belo.
    deixo meu abraço

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  6. Que dizer?? Sem palavras, até porque não há suficientes para expressar todos os sentimentos do mundo! Mas uma coisa á certa, parece que os teus contos, histórias e textos, são como o vinho do porto...à medida que se vão soltando, ao longo do tempo, parecem ser cada vez melhores...onde vai parar?? hehehe beijinhos e bem final de semana!!

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  7. Rolando

    Que texto lindo! É, a vida tem seu tempo e suas razões.

    beijos
    Anne

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  8. Rolando,

    É incrível como TU nos fazes sonhar! Um texto como este, nao é qualquer pessoa que o escreve... nao com esta intensidade de sentimentos e vida nas palavras!

    Beijinhos,
    Sara

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  9. Rolando:

    Belo texto!
    Magia e BELEZA em forma de lindas
    frases e metáforas...

    "… existem segundas oportunidades…
    e que acima de tudo,
    viver é… um acto de fé…"

    Um abraço.

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  10. :) A beleza da vida é também a imprevisibilidade... e estarmos atentos às mensagens da natureza... nunca existe uma hora certa para a tirar... Um beijo

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  11. A vida é feita de sinais, nem sempre gostamos deles, nem sempre aceitamos o que nos querem transmitir.
    E há sempre uma segunda oportunidade, ou nos desfazemos do que não tem mais sentido para a nossa vida, ou gritamos: Por favor o anel não! E continua-se agarrado a um objecto até ao dia que somos nós próprios que o atiramos ao mar como sinal de que há coisas que não fazem mais sentido.Há um tempo em que temos de deixar de viver de saudade e passarmos à realidade.

    Beijos
    Manu

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  12. Obrigado... a todos e a cada um de vocês em particular. A vida é feita de sinais, sim... e de interpretações. Os sinais não comandam a vida... mas sim o que fazemos com eles, não é?

    Um grande abraço a todos...

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  13. Rolando,

    "Existem momentos na vida em que até o respirar pode ser o mais doloroso sentir".

    Eu também gostaria de ter escrito essa frase...Bjs

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