- Estafeta número doze… muito bem… aqui tem…. Número treze… muito bem, obrigado, aqui está a sua encomenda…. Estafeta número catorze… a sua, está aqui, pode pegar… estafeta número quinze…
( silêncio )
- … estafeta número quinze?
( silêncio )
- Estafeta número quinze? Juan? Onde está o Juan?
Um silêncio embaraçado envolveu a sala. Mestre Policarpo, chefe de todo o departamento de distribuição postal, engrossava a voz… e quando isso acontecia….
- Juan !! – gritou, esticando o pescoço para parecer mais alto - … sempre atrasado… onde está esse inútil?
Ninguém lhe respondeu.
Todos os estafetas sabiam muito bem que os atrasos de Juan à chamada matinal só podiam significar uma coisa. E portanto… nem valia a pena dizer o que fosse, pois uma simples virgula só iria irritar ainda mais mestre Policarpo, já de si à beira da explosão.
Um bater de asas vigoroso e alguns segundos depois, um pombo cinzento claro, de pescoço branco e penas brilhantes, entrou pela janela aberta da torre e pousou desajeitado no chão de pedra, a meia distância entre o mestre Policarpo e os catorze estafetas, bem alinhados.
- Perdão, mestre Policarpo… pelo meu atraso… o vento estava horrível, uma confusão enorme… até uma águia me perseguiu… peço perdão…
Mestre Policarpo, encarregado do serviço de distribuição postal, tinha a seu cargo quinze estafetas… quinze pombos correio.
Ele próprio já fora estafeta, nos seus tempos de juventude; e no entanto, apesar da já longa carreira, nunca encontrara um estafeta como Juan, o pombo correio cinzento de pescoço branco.
- Juan… ( e esforçou-se por manter a voz inalterada ) … essa é a desculpa mais esfarrapada que já ouvi em toda a minha vida… e você está novamente atrasado…
- Perdão, mestre… não voltará a acontecer…
Mestre Policarpo alisou as penas, tentando acalmar a raiva.
O pombo Juan era o mais veloz, astuto, o que melhor se orientava, o que nunca deixara cair uma encomenda ou tampouco fora ferido ou capturado pelas águias. Mas Juan também era… um incorrigível pinga-amor, e todos conheciam de sobra os verdadeiros motivos dos constantes atrasos às chamadas matinais.
O pombo Juan adormecia… ao raiar da aurora.
- A sua encomenda, Juan… - e entregou-lhe uma pequena anilha de mensagem – a sua entrega de hoje…
Juan enfiou a anilha na pata e perfilou-se junto dos colegas, já alinhados para a partida.
- Vá… vão…. – mestre Policarpo bateu as asas em voz de comando – e cuidado… muito cuidado lá fora…
Um a um, os estafetas abriram as asas e descolaram, galgando a janela aberta da torre rumo a um céu sem nuvens. Cada um levava uma mensagem, uma encomenda, uma notícia, cada qual para seu destino.
Na torre ao lado, residia mestre Policarpo.
E era precisamente numa das janelas abertas dessa torre que espreitava ansiosa uma pomba branca, olhos verdes claros como a erva molhada dos jardins.
Pia era o seu nome… e mestre Policarpo o seu pai.
O velho pombo correio ficou a vê-los partir, ora acenando a cada um deles, à medida que ultrapassavam o umbral da janela… ora espiando pelo canto do olho a pomba branca na sua janela.
O estafeta Juan foi o último a lançar-se no espaço.
Bateu as asas, deu duas voltas sobre si mesmo e antes de se aventurar no espaço aberto contornou a torre e desceu planando até à janela onde Pia, a pomba branca, aguardava imóvel e em silêncio.
Não chegou a pousar. Batendo simplesmente as asas – mais devagar – planou diante dela e por um breve segundo… os bicos roçaram um no outro, num secreto código de entendimento.
Depois, soltou-se nos ares, grasniu algo baixinho e voou em direcção ao sol.
Tinha uma mensagem para entregar.
Da janela da primeira torre, mestre Policarpo observara toda a cena.
Abanou a cabeça, num gesto difícil de definir.
- Jovens…. – murmurou baixinho – jovens… e loucos… ahhh.... se eu tivesse menos vinte anos….
Porque é que queremos ter sempre menos 20 anos?!
ResponderEliminarE a mesma coisa daqui a vinte anos de novo?!
Mestre Policarpo é tão saudosista quanto eu!mas pensando no conto anterior sobre o Efemerus até que está de bom tamanho...
ResponderEliminarJuan naturalmente, um bom vivant está certíssimo! o que levamos de melhor que nossos dias compridos de amores ?
Belos contos Rolando , belos demais!
abraços
é verdade..ah se eu tivesse menos vinte anos!!
ResponderEliminarbelíssimo texto.
bjs.Sol
Já viste Rolando, se eu tivesse menos 20 anos...
ResponderEliminargrande trabalheira, concerteza voltava a fazer as mesmas, asneiradas e depois tinha que as concertar...ehehehehehe
Amei a história, como todas as que tens escrito, já agora para quando o livro????
Eu quero umzinho autografado só para mim!
Beijosssssssssssssssss Abraço do Galvão
M.M.G.
Bela história. Ah... menos 20 anos era bom, era... :)) Também é bom ver os pombos mais novos voarem com as suas asas... e saber que também eles vão dar umas bicadas no tronco de uma árvore até encontrarem o seu rumo. Falar nisso... o mestre Policarpo mandou alguma mensagem para mim? :)) beijinho
ResponderEliminarÁs vezes penso se andamos adiantados no tempo! Ou atrasados? - Porque se bem me lembro, abrandei muitas vezes o voo para dar um encosto de bico (beijinho) e seguir. Fiz tudo o que gostava de fazer, deixei os anos me levarem e nunca parei de o fazer. Não quero ter menos vinte anos mas quero ser igual a mim mesmo com vinte, trinta, quarenta! E até os cinquenta, ainda me dão imenso prazer.
ResponderEliminarMas mentia se dissesse que não gostei de ler. ( O estafeta numero 15)
Abraços por onde quer que estejas Rolando Palma
Descanse em paz. Obrigado pela obra feita.